Por mais que possa investir os parágrafos a seguir em enfatizar os defeitos de Mamma Mia! 2 (simplificação, gente), a sensação de bem estar ao término da narrativa é tão gostosa, que sentiria estar trapaceando meus leitores caso me dedicasse tanto a isto. Se pensar friamente, a sequência escrita e dirigida por Ol Parker, a partir da história que teve o dedão de Richard Curtis (de Simplesmente Amor e Quatro Casamento e um Funeral), falha no que deveria ser o fundamental para qualquer narrativa: o estabelecimento do conflito e de como este é essencial para que, neste caso, as co-protagonistas amadureçam e evoluam ao término do arco que encenam. Sequer há conflito, ao menos não um que possamos chamar de nosso, e nada disto impede que esta continuação vibre, contagie e, por que não, emocione.
Não faltam motivos para isso. A começar pela escalação de Lily James para interpretar a versão recém-emancipada de Donna, personagem de Meryl Streep. Lily, de Cinderela e Orgulho e Preconceito e Zumbis, de quem não costumo gostar, não se acanha diante da imensa sombra lançada por Streep, e começa a brilha tão logo se sinta segura para explorar as facetas desconhecidas de Donna, como esta faz com os arredores europeus que percorre durante a trama antes de se aclimatar na Grécia. Intensa, espontânea e apaixonante, Lily encanta com o misto de independência (amorosa, sobretudo), determinação e fragilidade, esta realçada pela atuação da atriz, que confere, a cada sorriso, um significado bem diferente do anterior. E, além de tudo isso, Lily também se garante no gogó e sapatinho, e vê-la interpretando Waterloo serve de argumento em favor do charme ingênuo do gênero musical.
Aliás, por estarmos conversando sobre esse gênero, o ritmo e a coreografia dos números é determinante. E é graças à montagem de Peter Lambert, a partir do trabalho de decupagem de Ol Parker, que o passado e presente fundem-se, deixando para trás qualquer resquício da sensação (ruim) de assistirmos à competição de narrativas independentes; no lugar, somente uma, mas baseada na ideia de similitude e complementariedade entre as trajetórias de mãe e filha. Através de sacadas visuais e truques cinematográficos simples, mas eficientes, barreiras temporais e geográficas são rompidas (uma parede falsa separa Sophie de Sky e representa o oceano que os divide; cortes escondidos conferem fluência a ações similares de Donna e Sophie) e a narrativa começa a inserir nova vida em canções com alma própria.
Muitas delas, já empregadas no antecessor (em especial, as mais emblemáticas), embora isto não seja problemático, pois são reinterpretadas e, com isto, ressignificadas (como é o caso de Super Trouper, que agora coroa o momento de passagem de bastão). Aliás, Ol Parker merece elogios na forma como aprimorou a narrativa, em comparação com a antecessora, evitando que os melhores momentos sejam reféns das músicas de ABBA (parece contraditório, eu sei, mas continuem comigo que eu explico). Na verdade, apesar de dançantes e entusiasmantes, as canções não são mais a alma do projeto ou, melhor dizendo, a boia salva-vidas; agora são apenas adornos que embelezam o fundamental, a trajetória de Donna e a relação atemporal desta com Sophie, retratada através de uma estrutura de roteiro bastante semelhante à O Poderoso Chefão 2 (!).
Assim, enquanto o original ganhava fôlego porque reproduzia canções de ABBA, e aí entravam o cenário paradisíaco e a fotografia calorosa que faz todo o sentido se considerarmos a locação, a sequência já não precisa se socorrer nisso porque está segura de suas próprias limitações e potencialidades. Assim, não importa que a grande maioria do elenco pareça apenas estar curtindo férias, em vez de estar interpretando (Colin Firth, Stellan Skarsgård, Andy Garcia, Julie Walters e Christine Baranski que o digam), que Pierce Brosnan e Cher atraíam a atenção negativamente com tanta inexpressividade (a dela, resultado exclusivo de procedimentos estéticos que engessaram seu rosto, mas não sua voz grave e dominante) e que a publicidade tenha vendido gato por lebre acerca de uma personagem específica (que quando aparece, porém, reluz!). Tampouco importam as deficiências do roteiro – são muitas – ou a apatia de Amanda Seyfried, porque ante tudo isso, ainda assim Mamma Mia! 2 conquista e encanta.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Mamma Mia! Lá Vamos Nós De Novo”
É um maravilhoso filme, divertido e eu desfrutei muito. Mamma Mia se tornou no meu filme preferido. Sua historia é muito fácil de entender e os atores podem transmitir todas as suas emoções. O elenco tambén foi excelente, adorei a participação de Andy Garcia, ele é um ótimo ator. Adoro porque sua atuação não é forçada em absoluto. Suas expressões faciais, movimentos, a maneira como chora, ri, ama, tudo parece puramente genuíno. O vi recém em Tempestade, foi maravilhoso. É um dos melhores filmes de suspense é sensacional! Eu gostei a história por que além das cenas cheias de ação extrema e efeitos especiais, realmente teve um roteiro decente, elemento que nem todos os filmes deste gênero tem.