A quarta colaboração entre o diretor Antoine Fuqua e Denzel Washington (Dia de Treinamento, O Protetor e Sete Homens e Um Destino), e apenas a primeira continuação estrelada por este em toda sua carreira, reencontra o ex-soldado Robert McCall atuando como o anjo da guarda, vingador e motorista de aplicativo em um bairro multi-étnico de Boston. Sua vizinha, muçulmana, sofre com xenofobia; o jovem Miles anda na corda bamba que separa a arte digna da vida de traficante; já um judeu sobrevivente do nazismo recorda, com dificuldade, as memórias da irmã. É a existência que McCall, viúvo, reservou para o terceiro ato da vida, ocasionalmente ensinando bons modos a ricos mimados e recebendo a visita de Susan Plummer, seu elo mantido com o passado.
Até ela ser assassinada, e McCall partir em busca de justiça. É esta a trama escrita por Richard Wenk, cujo currículo capacita-o a escrever, mesmo de olhos fechados, roteiros iguais a esse – vide Assassino a Preço Fixo, Os Mercenários 2, O Protetor e Jack Reacher: Sem Retorno. Mas existe um quê a mais na trajetória de McCall: o nítido desgosto com os rumos que a sociedade, através de sua juventude, têm tomado em direção à ruína, sem a atitude hipócrita de não realizar uma autocrítica. Para isto, Denzel Washington reprisa seu trejeito rabugento, dispensando meias palavras e investindo na truculência de quem ataca antes de ser agredido, enquanto exibe certa exaustão postural, na maneira como relaxa os ombros, revelando todo o peso sobre estes.
Seria melhor se não fosse o mesmo prato servido em ocasiões anteriores, com a diferença de que McCall oferece um sem número de lições de moral antes de a pancadaria correr solta: escutar os mais velhos, respeitar as diferenças raciais e culturais, evitar entrar no mundo do crime, tudo expressado ou subentendido pela autoridade de Denzel. Não que isto o qualifique como exemplar de ação acima da média, mas ao menos poupa-lhe de exercer o desserviço do recente Desejo de Matar. Afinal de contas, existe alguma ética no comportamento justiceiro de McCall, ainda que este pareça esquecer que seus adversários são apenas versões menos idealistas do que já fora um dia.
Menos inteligentes também. Primeiro em despistar seus traços, já que McCall rastreia-os com imensa facilidade, no menor espaço de tempo imaginável. A propósito, apesar de determinados em não deixar nenhuma ponta solta, ou ao menos é isto que os motiva a continuar matando, chega a ser ingênuo que estes terminem assassinando um policial e não pensem nas consequências óbvias de fazê-lo. E o que dizer do plano alternativo bolado pelo cabeça do grupo, que serve para criar um suspensezinho onde não floresce nada? E um dos problemas de O Protetor 2 é justamente este: não proporcionar um desafio à altura das habilidades de McCall, como se o ato retributivo justificasse o investimento de 2 horas do espectador em tramas múltiplas que formam um todo para lá de deficiente.
Já a direção de Antoine Fuqua não auxilia na correção dos equívocos. E mesmo que o diretor acerte no plano em que revela, antecipadamente, a identidade do vilão, apesar de não o fazer diretamente (o recurso usado é um espelho no centro do quadro, símbolo de que o personagem tem ‘duas faces’), não há muito o que possa acrescentar na já usual troca de sopapos, com o emprego frequente de planos fechados para esconder o rosto dos dublês de Denzel, que não é destemido ou vigoroso como Tom Cruise. Ao menos a sequência final tem seus atrativos, sobretudo ao transformar uma área urbana em cenário de guerra e maximizar a tensão. Mas, a movimentação semi-fantasmagórica de McCall, praticamente invisível à mira de um franco-atirador, aliado à forma com que antecipa, além da conta, quais serão os passos de seus inimigos, arruína o mistério, transformando tudo em uma sequência de embates com um resultado já esperado.
Enfim, falta sal ou pimenta à O Protetor 2, um reflexo do aborrecimento que acomete o protagonista, obrigado a revisitar a trama batida, encenada tantas vezes já, e ser o deus ex machina do problema de todos que cruzam o seu caminho. Exceto da narrativa.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.