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Yonlu

92 minutos

A série “Os 13 Porquês” cresceu em notoriedade não em virtude da qualidade questionável ou da moralidade da narrativa, e sim por tratar do suicídio adolescente. E mexer com um vespeiro como este tema tabu é apenas a primeira, dentre tantas decisões certeira do diretor e roteirista Hique Montanari, em particular diante do índice crescente de casos registrados, um fato alarmante potencializado em razão do relacionamento destrutivo do indivíduo com a internet e as redes sociais.

Assim, a tragédia ocorrida em julho de 2006 – há mais de 12 anos, portanto -, quando o adolescente Vinícius Gageiro tirou a própria vida, incentivado e assistido por membros de um fórum na internet, é o epicentro para que a narrativa homenageie o rapaz através da música que produziu, ressinta sua partida precoce e estabeleça um divã cinematográfico, com a intenção de discorrer sobre a depressão profunda que o acometia.

Desta forma, o ponto de partida da trama, depois de ilustrar Yonlu em traje de astronauta – uma metáfora visual com significado direto que dispensa comentários -, apresenta o rapaz como o filho de uma família de classe média alta, poliglota, amante das artes (em especial a música, mas também a fotografia e pintura) e empático de berço e criação, a ponto de achar que deve suportar o sofrimento do mundo inteiro sobre ombros já exauridos.

Depois de dispensar a estrutura de narração convencional e substituí-la por um estudo de personagem livre e autoral, Hique Montanari começa a percorrer os caminhos mentais do protagonista através de signos visuais. Em certo momento, enquanto percorre Porto Alegre, Yonlu depara-se com estátuas que parecem suplicar, sem sucesso, o socorro mudo aos céus. Já os ‘amigos’ do fórum são representados pelo que são: avatares escondidos, literalmente, detrás de máscaras, revelando-se sutil e parcialmente antes de esconder novamente o rosto.

Visualmente, a direção de fotografia de Juarez Pavelak imerge a narrativa em cores que retratam o estado de espírito do personagem e mimetizam o contexto em que se insere. Os citados avatares são enxergadas em um filtro que remete, instintivamente, à combinação de preto e verde dos primeiros computadores; por outro lado, o filtro azul replica a depressão, e o intenso alaranjado do céu, a incapacidade de Yonlu em poder apreciar a beleza simples do horizonte.

Mas o aspecto mais insinuante da narrativa está em exibir, às vezes forçadamente como na leitura do trabalho no colégio, a solidão de Yonlu. São raras as ocasiões em que este divide a tela com os pais, a garota de que gosta ou o psiquiatra, e mesmo nestas situações, tais personagens não batem na mesma frequência, chegando ao extremo de desaparecerem sem deixar aviso prévio. E machuca assistir ao rapaz percorrendo esta paixão, incapaz de firmar e estabelecer o contato humano que tanto desejou.

É a oportunidade para elogiar Thalles Cabral, que sustenta a narrativa sem atrair a atenção, permitindo que a postura corporal, o deslocamento em relação a si próprio e o olhar recalcitrante misturado com angústia recriam o sentimento de Yonlu naqueles momentos. O ator ainda interpreta as canções por que Yonlu também é lembrado, as quais são inseridas e trabalhadas em animações a partir dos rabiscos encontrados em seu caderno.

Com tantas qualidades, a maior parte derivada da abordagem feição semi-experimental e simbólica, “Yonlu” escapa da armadilha do sensacionalismo que envolvia a produção que citei no primeiro parágrafo, para se aproximar de trabalhos maduros e corajosos, como “As Virgens Suicidas” do que a “Gente Como a Gente”. Um seleto grupo de produções que não se acovardou em tratar um tema urgente, com a cautela indispensável para não acionar gatilhos que não pudesse desarmar depois.


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