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A Freira

A Freira

96 minutos

Não é porque podemos escrever histórias a respeito de coadjuvantes, antagonistas ou vilões de produções paralelas, narrando sua história de origem, que devemos fazê-lo! E, caso o façamos tendo por objetivo o retorno financeiro, que ao menos honremos as raízes originais, em vez de fazermos como A Freira, uma tentativa exclusivamente comercial de manter em evidência uma personagem macabra, porém que não está nem entre os três motivos principais para o mérito de Invocação do Mal 2, este sim, uma pedra preciosa do terror. A sensação é a de que James Wan (autor da história – não do roteiro -, produtor e diretor de segunda unidade) estava com a cabeça profundamente mergulhada em Aquaman e confiante na lucratividade da franquia que ignorou não ser Valak que potencializava a trajetória dos Warren, mas o contrário.

No lugar daquele casal, o Padre Burke (Bichir) e a Noviça Irene (Farmiga, irmã mais nova de Vera), insinuados como tal por Frenchie (Bloquet), que, afora servir de alívio cômico narrativo, guia os emissários do Vaticano à abadia, para investigar o suicídio de uma freira. Não demora para testemunharem eventos sobrenaturais envolvendo Valak, e este (demônio) empregue os temores dos incautos protagonistas com o objetivo de, sabe-se lá qual é, pois se for somente para escapar do domínio religioso da abadia, temo que além de sinistro, é tolo, já que: a) podia se manifestar além do cemitério de cruzes improvisado no entorno e b) caso precisasse possuir alguém para isso, por que não o fez quando Frenchie encontrou a freira enforcada?

Entretanto, por não saber o que passa na cabeça de pseudo-Freiras profanas, de olhar âmbar brilhante, dentição afiada e senso de humor bizarro, melhor riscar do roteiro que esta deva manter um comportamento verossimilhante naquele universo. Não é o que ocorre, porém, e chega a ser incômodo saber que Lorraine Warren pôde conter Valak antes com recursos menos sofisticados do que os empregados por Burke e Irene, de posse da relíquia que deveria ser o equivalente à Manopla do Infinito.

Tudo isso porque o roteiro de Gary Dauberman (de Annabelle 1 e 2 It: A Coisa), comandante do próximo capítulo da boneca do mal, sabe que existe pouco a explorar a respeito da personagem-título, tanto que a origem é resumida em um brevíssimo relato de uma freira seguido de um flashback decepcionante (que, ironicamente, teria potencial de render uma produção melhor do que esta). A solução para preencher os 96 minutos restantes é esticar o fiapo de história até arrebentar, enquanto insere ganhos esperando sustos. Mas estes não funcionam, porque o espectador não estabelece a mais básica relação de empatia e identidade com os personagens, todos estereótipos que cometem as decisões mais estúpidas do gênero: Burke é atormentado por um exorcismo trágico e frequentemente assombrado por sua consequência; Irene tem visões que não interferem no desenrolar da narrativa nem conferem à personagem a condição de pródiga, especial ou enviada típica nestas narrativas; e Frenchie, ah Frenchie, este habita um universo alternativo do narrado, não somente por causa do humor desnecessário e fora de hora, mas também por recorrer a soluções terrestres (armas de fogo) para enfrentar ameaças superiores.

Também contribui para a desfunção narrativa a direção desastrada de Corin Hardy, condenado à repetir a sequência de separar o trio central (a noite, evidentemente), inserir alguém para chamar a atenção do indivíduo que, óbvio, irá segui-lo por percursos não trilhados e preparar a emboscada que não resulta em consequências inescapáveis. Com a cartilha do terror contemporâneo debaixo dos braços, Corin não esquece de intercalar instantes de silêncio sepulcral com a mixagem de som às alturas, somente confirmando sua inépcia e insegurança em estabelecer uma cena sequer que seja assustadora em razão da atmosfera construída.

Sendo assim, quem merece elogios em A Freira é o design de produção de Jennifer Spence, que estabelece a abadia à imagem e semelhança de Valak: sinistra, imersa na penumbra e neblina e em cujos aposentos inexiste um traço do divino afora objetos que podem ser facilmente manuseados pela entidade demoníaca. Uma pena que o apuro estético vá de encontro à fotografia problemática de Maxime Alexandre, que, ao tentar simular e homenagear produções de décadas passadas através do grão mais grosso e ruidoso, termina por arruinar de vez a experiência da narrativa, que é, na falta de termo melhor, somente feia de se assistir, no caso típico do fotógrafo que troca a escuridão temerária pelo breu completo.

Assim como James Wan substituiu a qualidade média das produções passadas de seu universo compartilhado exclusivamente pela certeza de lucratividade. Uma forma reprovável de encarar personagens a quem confiávamos a certeza de bons terrores.


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1 comentário em “A Freira”

  1. Ótima crítica, detalhou todos os pontos sejam positivos (o que foi bem difícil de achar) e os negativos, você detalhou com grande eficácia, parabéns.

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