Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

O Favorito

O Favorito

115 minutos

Tendo permanecido 8 anos longe do poder, durante a presidência do republicano Ronald Reagan, o partido democrata precisava reinventar-se, e, a semanas antes da convenção que escolheria o candidato à presidência pelo partido, o carismático centrista Senador Gary Hart era O Favorito nas disputas. Pudera, defendendo uma campanha de ideias, não de agressões e fofocas, e apoiado no tripé dos ‘E’ – economia, educação e meio ambiente (environment) … e ética -, o jovem e bem apessoado Gary caminhava a passos largos e confiantes para não somente representar o partido, como ainda ser o novo presidente dos Estados Unidos. No percurso, inspirava uma legião de devotos assessores e era respeitado por toda a imprensa.

Era!

Após uma denúncia anônima informar sobre o relacionamento extraconjugal do Senador, o jornalista Tom Fiedler (Zissis) do sensacionalista Miami Herald acampou em frente à casa do político para obter as fotos que corroborassem – no caso, levantassem dúvidas – o suposto caso com Donna Rice (Paxton). A publicação, aliado ao comentário do próprio Hart de que o The New York Times poderia segui-lo que não encontraria nada, arruinou, em recordes três semanas, sua reputação política e pessoal, expondo sua faceta mulherenga a que todos pareciam virar o rosto.

Com roteiro de Jay Carson (House of Cards), Jason Reitman (que também dirige) e Matt Bai, autor do livro All the Truth Is Out: The Week Politics Went Tabloid em que se baseia esta narrativa, a história real da malfadada campanha presidencial de 1988 é atemporal, mas seus reflexos são mais nítidos atualmente em razão do movimento #MeToo. E os roteiristas reconhecem isto, construindo personagens femininas opiniosas e conflituosas que, apesar de escassas no mundo político e jornalístico dominado por homens, ainda assim conseguem dar as cartas no jogo de poder e servem de contraponto à passada de pano característica da fraternidade masculina. Neste cenário, além da sempre competente Vera Farmiga e de Ari Graynor, autora do monólogo mais marcante da narrativa, quem se destaca é a estupenda Molly Ephrain como a assessora Irene Kelly, na tentativa infrutífera de salvar a candidatura de Hart, sem deixar desamparada Donna, enquanto seu idealismo começa a degradar-se em decepção.

Na verdade, não faltam coadjuvantes dignos de nota, como o repórter do The Washington Post A.J. Parker (Attie), enfeitiçado pelo charme de Hart e desgostoso por ter que cobrir sua vida íntima, ou o assessor Bill Dixon (Simmons), que comete o erro de idolatrar o político. Também não há carência de questionamentos oportunos, a respeito da responsabilidade do jornalismo (o que noticiar: o interessante – a vida privada de Hart – ou apenas o importante – os projetos que têm para o país?), do direito à privacidade (candidatos a cargos públicos devem satisfação aos eleitores sobre sua vida fora do ofício?) e da responsabilização pelo assédio sexual cometido por quem detém poder e oportunidade. O problema é que o diretor Jason Reitman permanece em cima do muro, evitando presidir o julgamento moral acerca da conduta de Hart, em época em que se posicionar sobre a matéria deixou de ser faculdade para ser obrigação.

A sensação é a de que Jason Reitman – bastante empático com narrativas femininas, vide Juno, Jovens Adultos e Tully – ao buscar noticiar imparcialmente (o que já é inadmissível neste caso), simpatizou com o Senador, e os letreiros finais não deixam dúvidas quanto a isto. Em vez de limitar-se a humanizá-lo, pareceu conformar sua atitude como algo normal, escondendo seu rosto (ou enfocando-o de costas, ou cortando seu olhar) e deixando que o julgamento partisse de seus interlocutores (como na cena havida dentro de um restaurante ou uma reunião com os assessores). Coube a Hugh Jackman, em uma boa atuação, apimentar a personalidade de Gary, o que ocorre no instante em que pergunta, duas vezes, qual o nome da jovem voluntária em sua campanha. Uma atitude que não repetiria diante daqueles do sexo masculino, aos quais sequer dirige o olhar, que dirá apreenderia seus nomes. Jackman ainda transmite com facilidade a confiança do Senador enquanto discursa sobre ideias e o subsequente desconforto, que dirá covardia, ao precisar descortinar sobre seu relacionamento extraconjugal.

Tudo isso dentro de uma viagem no tempo a o final dos anos 80, com o design de produção de Steve Saklad, que resgata a época através dos penteados, figurinos e objetos do cenário (os PCs monocromáticos, as máquinas de escrever) e a fotografia de Eric Steelberg, com a textura espessa e amarelada como se desgastada pelo tempo. Já a mixagem de som de Steve Morrow merece destaque ao capturar, com nitidez, múltiplos diálogos, combinados ao som ambiente (telefones tocando ininterruptamente, teclas sendo esmurradas antes de virarem reportagens e conversas paralelas), formando, junto à trilha sonora de Rob Simonsen, a sinfonia que confere o ritmo galopante ao típico thriller jornalístico e político.

Um que teve consequências drásticas ao partido democrata, que viu o sonho de retornar ao poder adiado em mais 8 anos com a eleição e re-eleição de George H. W. Bush. Ponham isto na conta de Gary Hart.


Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

A Mãe

Maria, uma mãe solo que vive na periferia

Rolar para cima