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Creed II

Creed II

130 minutos

Demoraram 33 anos para que o cinema fizesse jus ao clã Drago após o desastroso Rocky IV (1985), uma das muitas produções daquele período que surfou na onda da Guerra Fria para tirar da cartola um adversário artificial e maniqueísta que representava tudo aquilo que a opinião pública norte-americana não tolerava. Veio Creed II e pegou o que era somente o soviético clássico dos cinemas – do ponto de vista míope dos Estados Unidos, claro – , para transformá-lo em um personagem tridimensional em um pouquíssimo espaço de tempo. É um dos muitos méritos desta continuação, que emprega o boxe como meio para discutir relações pais e filhos.

Co-escrito por Sylvester Stallone e Juel Taylor (de Uma Noite Fora de Série) e dirigido por Steven Caple Jr. (do inédito no Brasil The Land, lançado no Festival de Sundance em 2016), que herdou a cadeira de Ryan Coogler, o roteiro desta continuação inspira-se em Rocky IV como se fosse uma espécie de soft-remake, trocando personagens (Adonis assume a dupla missão de ser Apollo e Rocky) e re-imaginando situações (como o treino no deserto, que mimetiza aquele na Sibéria), ao mesmo tempo em que funciona como sua continuação direta, tendo como ponto de partida a vontade de Adonis (Jordan) em ser reconhecido enfrentando o algoz de sua família, Ivan (Lundgren), na figura de seu filho, o brutamontes Viktor Drago (Florian). É claro que Rocky (Stallone) é contrário a disputa e, como o mestre dos magos que é, oferece um dicionário de frases de efeito para tentar convencer seu pupilo, que, evidentemente, rejeita o ensinamento.

Mas o roteiro não é morno e recauchutado como sugere o excerto acima, e desde o início entende a importância de estabelecer seus antagonistas como seres-humanos, não como meras máquinas de bater. Da glória, restou aos Drago o esquecimento no inverno ucraniano, em um condomínio de apartamentos impessoal pintado pela cartela de cores deprimentemente azuis de Kramer Morgenthau. O choque do reencontro é maior em virtude da comparação com a Filadélfia, onde Creed luta para conquistar o cinturão dos pesos-pesado e obter a chave de seu carro esportivo sem, porém, convencer os analistas esportivos de seu talento. Seu apartamento onde mora com Bianca (Thompson), grávida de sua filha, é como um deboche à rotina de trabalho braçal e treinos intensos experimentados por Viktor, e isto, vejam só, cria uma empatia instantânea com o pugilista russo. Ainda mais porque este também parece manobrado pelo pai para ser quem é.

Diferentemente do que afirma Rocky, ao advogar contra o encontro nos ringues sob o argumento de que Creed tem tudo a perder e Viktor, não, a lógica parece-me ser contrária: Creed pode até perder o cinturão e a fama (e recuperá-los depois), mas Viktor batalha pelo próprio nome em uma nação (ainda vista de modo turvo) que valoriza a excelência apenas alcançada na forma dos campeões, como se os Estados Unidos não prezassem também a meritocracia e com consequências igualmente devastadoras. O diálogo de Ivan e Rocky é bastante esclarecedor ao explicar que, para o último, a luta entre os dois fora como qualquer outra, ao passo que para o primeiro, custou-lhe tudo o que mais prezava. E o rosto cansado e enrugado desses ex-gladiadores e sua troca de olhares expressam mais emoções do que seriam capazes suas palavras, um mérito de Stallone e especialmente de Lundgren, que amadureceu belamente como ator, ainda que tardiamente.

Pode ser que isso aconteça com o lutador profissional Florian Munteanu, valorizado exclusivamente por seus estalos de pescoço (!) e pelo desafio físico imposto a Michael B. Jordan, este sim, um dos melhores atores da atualidade, apesar de menos atraente como personagem do que fora no antecessor. A sensação é de que Stallone e Taylor pesaram a mão nos diálogos rasos (nada explica a pergunta à mãe “Você sente falta dele?”, em referência ao pai) com a intenção de resgatar a mesma trajetória de amadurecimento que o personagem já havia trilhado, quando havia mais dramas em sua bandeja na forma das figuras que gravitam ao seu redor (Bianca, a filha, a mãe, Rocky etc).

Não chega a ser um desserviço porque Creed encaixa-se adequadamente no mundo do boxe contemporâneo, povoado por tipos como Buddy Marcelle (Hornsby), responsável pela idealização e planejamento de narrativas a fim de maximizar o engajamento popular e a lucratividade do esporte a partir da rivalidade construída entre seus lutadores. É, talvez, a inspiração da trilha sonora do sueco Ludwig Göransson, cujas notas herdadas do faroeste são adicionadas às do blaxploitation e aos temas clássicos de Apollo e Rocky, recordados durante a eletrizante e dramática disputa final. Que, como de praxe nos dramas de boxe, segue um padrão facilmente identificável, mas não menos envolvente, em que os rounds começam a andar mais agilmente (com as placas e os golpes sinalizando os pontes de corte na montagem) até alcançar aquele em que haverá o clímax da luta.

Nesse cenário, Viktor Drago, como seu pai fora um dia, é a curiosidade do momento. Um recurso para vender mais ingressos e pronto para ser varrido debaixo do tapete assim que o gongo soar pela última vez e outra narrativa mais interessante surgir. É como um poste de iluminação que não funciona por falta de manutenção, e que estaria abandonado se não fosse a presença fiel e constante de Ivan. A sua maneira soviética de ser, o coração desta sequência que não faz feio diante de seu antecessor.

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