Imagine que Kal-El, o Super-Homem, fosse enviado a Terra não para inspirar e se tornar, no processo, uma espécie de messias, um farol para guiar a humanidade em direção a uma utopia de paz, porém para subjugá-la à vontade de seus emissários extraterrestres, como o cavalo de Tróia travestido de presente ou uma espécie de vespa que deposita seus ovos noutra colmeia para conquistá-la. Esta premissa interessantíssima tem a assinatura de Brian e Mark Gunn, irmão e primo do agora produtor James Gunn (diretor e roteirista de Guardiões da Galáxia), que, infelizmente, não conseguem desenvolvê-la além de um terror superficial.
A história acompanha o casal Kent, quero dizer Breyer (Banks e Denman), que, após tentar engravidar e ler uma quantidade absurda de livros sobre fertilidade, adota um bebê caído dos céus, dentro de uma cápsula espacial. Na esperança de este ser um presente divino, cria o bebê batizado como Brandon (Dunn) como se fosse seu filho, não sem antes esconder o veículo que o transportava no celeiro de sua fazenda. Entretanto, o pré-adolescente começa a exibir uma mudança repentina de comportamento, tornando-se agressivo e indisciplinado com seu décimo segundo aniversário. Por outro lado, os pais creditam isto à puberdade, indiferentes ao que Brandon escondia debaixo de sua cama ou a sua fixação por uma colega de escola, provocando-lhe uma lesão que nem cego acreditaria se tratar de um acidente.
Apesar de Brian e Mark Gunn ensaiarem uma metáfora sobre a cegueira dos pais em face à maldade dos filhos, defendendo-os diante de atos imperdoáveis, a maneira como o fazem ignora o menor senso comum. Se pode parecer plausível que Tori não cite para Kyle sobre a descoberta feita por Brandon enquanto ‘sonâmbulo’, como se guardasse um segredinho inofensivo, o mesmo não pode ser dito da ausência de comunicação paterna, que esconde que o super-filho estava se banqueteando de um garfo (!?). Tampouco é verossímil que a tia (Hagner) mal pense em telefonar ou enviar uma mensagem à irmã, após ser ameaçada pelo sobrinho… de madrugada.
Se não acreditamos nas decisões tomadas pelo roteiro, que precisaria de melhor refino, ao menos o diretor David Yarovesky (de A Colmeia, a que não assisti) é hábil em construir sequências de terror nervosas que sabem empregar os efeitos sonoros a seu favor, em vez de como meros recursos ao serviço de sustos gratuitos. A propósito, o gore é um importante elemento para retratar a crueldade de Brandon e a intensidade de seus poderes, expostos em cenas perturbadoras de forma explícita ou sugestionada, como a que relaciona um órgão humano com um prato de mingau de aveia.
A narrativa ainda sabe utilizar seus elementos cênicos de forma inteligente, transformando a cortina do quarto de Brandon no protótipo de sua capa. E, por mais que pareça óbvio que os olhos vermelhos do rapaz revelem sua maldade, ao menos este clichê visual é justificado em sua visão de calor. Contudo, o resultado é mais decepcionante do que o contrário. E o fato de Jackson A. Dunn possuir um semblante psicótico, desprovido do mínimo sinal de empatia ou remorso, mesmo antes de ser ‘ativado’, inutiliza uma eventual oportunidade de acreditarmos em sua reabilitação. Ele é só mau, e se isto poderia não ser particularmente problemático noutros casos, aqui é, sobretudo porque Elizabeth Banks e David Denman, ela menos do que ele, não funcionam como âncoras emocionais além da devoção revelada em bordões como “Sou sua mãe, sempre vou defender você”.
Com referência a clássicos de terrores com crianças demoníacas (e afins), como Cemitério Maldito ou A Profecia, Brightburn – Filho das Trevas arranha na execução tanto quanto seu conceito tem de inédito. Mas, olha, que premissa.
P. S.: AVISO DE SPOILERS! Durante os créditos, Michael Rooker surge como um comentarista de YouTube anunciando uma espécie de Liga da Justiça do mal e mencionando também Frank Darbo, personagem de Rainn Wilson em Super (2010), filme dirigido por… James Gunn.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.