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Aladdin

Aladdin

128 minutos

Pensando em retrospecto, creio que Aladdin ensinou-me sutilmente sobre representatividade bem antes de esta se tornar a bandeira da produção cinematográfica que é hoje em dia. Era somente uma criança com 9, 10 anos de idade que, depois de assistir a A Pequena Sereia e A Bela e a Fera, encontrara no ladrão que conquistava Jasmine e salvava a fictícia Agrabah de Jafar, ajudado pelo Gênio da Lâmpada, um avatar de heroísmo em que podia projetar sonhos e ilusões da infância (ajudava o fato de eu ser um filho de imigrantes libaneses). Entretanto, ingênuo, sequer poderia imaginar que a esmagadora maioria de produções já me representava, em excesso inclusive, enquanto as princesas da Disney eram um bálsamo às meninas que não encontravam, com igual frequência com que os garotos, as contrapartes para lhes inspirar nas telonas. Dito isto, a melhor coisa que existe nesta refilmagem é proporcionar à Jasmine maior protagonismo e contornos melhor delineados do que na animação clássica. Pena que é o “pouco” que pode oferecer.

Diferentemente de Dumbo, que re-imaginou sua história, e mais similar à A Bela e a Fera, o live-action dirigido e co-escrito por Guy Ritchie (Sherlock Holmes, Snatch e Rei Arthur), ao lado de John August (Príncipe da Pérsia, Peixe Grande e As Panteras), resgatou a trama original como a encontrou e só a deixou fermentando mais tempo no forno. O resultado é um bolo 38 minutos mais inchado e de sabor até parecido, porém onde deveria haver substância, tem-se somente volume preenchido com ar. É o momento de repetir a velha pergunta: por quê refilmar algo se você não tem nada relevante a acrescentar-lhe, senão para enriquecer seus cofres cheios e abarrotados? Desta maneira, é mais natural admirar Dumbo que, embora tivesse defeitos, era autêntico e artístico na tentativa de re-imaginar o original de 1940, do que esta aventura.

Muitíssimo bem produzida, é verdade, apesar de esta ser a obrigação mais básica de quem investe U$ 180 milhões, a narrativa tem design de produção caprichado de Gemma Jackson (Game of Thrones), figurinos encantadores de Michael Wilkinson (Liga da Justiça) e efeitos especiais irrepreensíveis da Industrial Light & Magic, a empresa criada por George Lucas. Na aparência, pelo menos, a refilmagem é atraente.

Quando o assunto é conteúdo, contudo, a narrativa evidencia seu tema central, a liberdade, e praticamente a desenha ao espectador como se desconfiasse de sua inteligência. Seja através dos grilhões que prendem o Gênio da Lâmpada aos desígnios de seus mestres, seja pela “prisão” dupla de Jasmine: trancafiada na torre pelo pai temeroso e aprisionada ao destino não escolhido, por causa de leis retrógradas que lhe obrigam a casar com um príncipe e ainda a impedem de ser Sultana. Iguais aos dois, Aladdin e Jafar – agora, vistos como lados da mesma moeda – também estão detrás de prisões invisíveis e metafóricas, melhor descritas em diálogos expositivos e óbvios: “Lembre-se do seu lugar” ou “Você nasceu inútil e morrerá assim”.

Assim, a maneira que os personagens encontram para serem livres é agir detrás de máscaras: o Gênio, a de servente; Jasmine, a de aia, a fim de poder estar perto de seu povo e conhecer suas aflições; Aladdin, a de Príncipe Ali; e Jafar, bem, a dele mesmo. Porém, ainda que a mensagem seja oportuna, Guy Ritchie trata-a com a mesmíssima mão pesada com que transforma todos os homens em bobos atrapalhados perto das mulheres que amam. Se o romance não é o ponto forte do diretor, cuja especialidade são os thrillers criminais de gangsteres, tampouco são as cenas de ação, montadas com um desleixo incômodo e remendos grosseiros, como é o caso da cena inicial (repare na quantidade de cortes na sequência em que Aladdin escala a lateral de um prédio). Pior, o terceiro ato é tão afobado e confuso, com uma câmera lenta fora de hora, que um pode se perguntar por que o diretor não investiu os 38 minutos adicionais em tornar a conclusão mais apoteótica, como são os números musicais.

Estes, pelo menos, conservam a magia e energia do original, com canções clássicas (Friend Like Me, Prince Ali e A Whole New World) e a composição Speechless, a chance para que Jasmine não permaneça mais em silêncio diante dos abusos que testemunha. Por falar nela, a surpresa da narrativa é a inglesa Naomi Scott (a ranger rosa de Power Rangers e, em breve, uma das Panteras), cuja presença em cena e voz são bastantes para encolher seu par, Mena Massoud, este incapaz de conferir a jovialidade necessária ao papel-título, tampouco a química para que acreditemos no romance. E enquanto Marwan Kenzari não tem muito a fazer com seu vilão maniqueísta e retratado como tal, chegando ao cúmulo de cheirar os ladrões para encontrar seu escolhido, Will Smith respeita a criação de Robin Williams sem cometer o pecado de não acrescentar sua individualidade, por meio da sua expressividade e seus maneirismos, proporcionando uma versão coerente com as ambições e anseios da refilmagem.

Sabe o curioso? Enquanto o falecido comediante, recorrendo apenas à voz, embutia tanta personalidade ao Gênio que às vezes esquecíamos se tratar de um desenho animado, com Will Smith a sensação é oposta: a de que mesmo dentro do realismo fantástico da narrativa, estamos diante de um versão cartunesca. É o mal que acompanha a nova versão de Aladdin, que, ironicamente, 27 anos depois, parece menos live-action (no sentido de estar viva) do que a animação de 1992.

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