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30 Anos Blues

30 Anos Blues

87 minutos

Existe um cinema autoral vibrante, o produto independente da raça de seus realizadores que colocam corajosamente o rosto a tapa para poder encenar sua visão artística. Entre amigos e com orçamento reduzido, devo congratular os diretores, roteiristas, fotógrafos, montadores e atores Andradina Azevedo e Dida Andrade não por questão meritória em como retratam a síndrome de Peter Pan dentro da selva urbana de uma São Paulo cheia de tribos e estímulos para que permaneçamos, o maior tempo possível, na companhia de nossa imatura criança interior, mas somente por produzir um trabalho artístico dentro de um Brasil cada vez mais hostil ao cinema nacional.

A qualidade da mise-en-scène, como os atores estão dispostos e se movimentam na cena e o trabalho de câmera que os registra e acompanha, a textura granulada e caseira da fotografia e os cortes secos e grosseiros que, por que não, dialogam com o cinema francês do final da década de 50 ao início dos anos 60 conferem um charme marginal à narrativa. E basta notar que os autores têm influência pungente no cinema de rua de Jean-Luc Godard, em como re-encenam a sequência inicial de ‘O Desprezo’ (aquela em que Brigitte Bardot e Charlton Heston conversam nus sobre trivialidades românticas) e investem na trilha musical clássica para conferir relevância à ação de seus personagens.

Entretanto, assim como o prestigiado diretor francês (ainda em atividade) é acusado por sua auto-indulgência e arrogância nos trabalhos de décadas passadas em que tenta reconstruir e re-significar o conceito de cinema como uma forma de expressão artística, também a dupla de diretores. A diferença, porém, é abismal. Se Godard é, bem, Godard, a dupla de diretores é jovem demais para transparecer um ar pedante e de superioridade. Isto não é fruto da linguagem narrativa que adotaram, que, de novo, merece aplausos, mas pelo conteúdo de sua narrativa.

Quando exibem um vídeo em que acadêmico critica o modelo de produção cinematográfico nacional e defende o que entende ser a ‘arte de verdade’ e apaixonada, a (ambiciosa) dupla de cineastas questiona o valor artístico pré-estabelecido e resolve reformulá-lo como julga ser correto. Ao fazê-lo, os diretores falham em provar a tese defendida, de que o cinema de guerrilha e rua proposto em ’30 Anos Blues’ é mais puro do que as produções provenientes da captação de recursos a partir de editais aprovados pelo Poder Público. Sua inaptidão é maior se considerarmos que o protagonista do filme corrobora desta visão, e que a narrativa não consegue demonstrar, com o próprio exemplo (ou pelas pernas), seu argumento central.

O que faria a narrativa melhor do que seus pares? Não sabemos, apesar de ser discorrido no curso da narrativa. Para piorar, os co-protagonistas masculinos ilustram o que existe de pior em matéria de imaturidade e masculinidade tóxica. São os apelidados ‘esquerdomachos’, dois moleques, na falta de terminologia melhor, que passeiam erraticamente pelas ruas de São Paulo, sem a intenção em encontrar sua vocação – que, esclareço, não está restrita a ter um emprego fixo, mas a seu propósito de vida – ou em compartilhar suas experiências com as mulheres que atraem ao redor. Querem somente usufruir as experiências do momento, nem que isto implique em ferir suas companheiras, em uma trajetória vazia.

Você pode perguntar, “ah, mas os diretores estão retratando um tipo de gente real”. Sim, e enquanto o fazem, não se inclinam a realizar a crítica necessária destes homens. Contrariamente, as contrapartes femininas têm um desfecho mais apropriado aos tempos contemporâneas, embora sejam subdesenvolvidas e tratadas com o descaso narrativo de seus parceiros. É aquela coisa: a vida é curta demais para investir na dupla de protagonistas, e se é melhor estar só do que mal acompanhado, o ditado vale para ‘30 Anos Blues’.

Crítica publicada durante a cobertura do 47º Festival de Cinema de Gramado

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