Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Raia 4

95 minutos

Diferente dos amigos da equipe de natação, a introvertida pré-adolescente Amanda (Moni) encontra dificuldades em se relacionar consigo, com a família e com o mundo ao seu redor. Onde se sente mais confortável é no fundo da piscina, a sós e alheia a distrações sociais e sonoras. É lá que a encontramos, em simbólica posição fetal, no início de Raia 4, um estudo de personagem sobre a difícil transição à puberdade.

Que fica mais insuportável à medida que Amanda começa a entreouvir que está “prestes a maturar” ou a crítica da amiga Priscila (Guadagnini), “vê se cresce”. É a relação com esta que auxilia a impulsionar o conflito central da narrativa, pois Amanda enxerga Priscila com um misto de atração e competitividade. Como se aspirasse a ser igual a ela, amadurecida e segura de si mesma, o que ainda envolveria rejeitá-la e removê-la com o intento de, talvez, tomar seu lugar. A relação psicológica, cujo desenvolvimento começa nos vestiários, passa pela rivalidade na piscina – apesar de comporem o mesmo time de revezamento – e encerra fora do clube, no relacionamento amoroso com Matheus, apenas empalidece diante do trato de Amanda com a família.

Existe um retrato do complexo de Electra na forma com que Amanda admira o pai (Sieg) e elege a mãe (Chicolet) como adversária, chamando-a depreciativamente pelo nome próprio ou mesmo de “aquela mulher”. Uma cena no sofá retrata, desconfortavelmente, este traço da narrativa, quando Amanda perde o posto à mãe, que assume para si um presente que não lhe cabia e atira as pernas sobre o colo do pai da mesma forma como a garota havia feito. A preocupação materna em relação à alimentação e menstruação da filha e a cobrança indireta havida dentro do shopping somente ajudam a reforçar o pavor interno sentido por Amanda, incapaz de verbalizá-los de maneira contundente.

Assim, com um elenco composto majoritariamente de atores amadores, recrutados de clubes de natação, a direção de atores Emiliano Santiago almeja conferir forma a diamantes ainda em estágio bruto, e Brídia Moni – semelhante fisicamente e diante das câmeras a Kristen Stewart – é uma tela em branco sobre a qual podem são projetados sentimentos, desejos e frustrações que não emergem com facilidade. Não que isto signifique um mau trabalho da jovem, é justo o contrário: a atuação minimalista e perdida dentro de si alarga o campo de possibilidades de interpretação de momentos capitais da narrativa, como em sua conclusão.

E Raia 4, apesar de apresentar um desfecho aparentemente literal e antevisto pela cena que ocorre dentro da sala de cinema – que, entretanto, parece alienígena e desajeitada dentro do todo, em uma quebra de ritmo que tira o espectador do universo diegético muitíssimo bem construído pela fotografia de Edu Rabin e pela trilha sonora de Rita Zart -, jamais tem um desfecho simplista. O simbolismo que cerca o ato surpreendente e chocante está recheado de análises que podem ser tiradas, desde a rejeição da própria maturidade à aceitação de sua própria natureza.

Neste sentido, Raia 4 desponta, com rara felicidade, como um estudo de personagem eficaz, mais antenado com as ações e reações da protagonista aos estímulos que a cercam do que com situações particulares, um retrato fidedigno da natação competitiva juvenil e uma análise psicológica sobre as consequências da puberdade na vida da protagonista, posando questões pertinentes e intrigantes. Um trabalho verdadeiramente gratificante e, melhor, que não precisa gritar em volume além do necessário para que escutemos os gritos que borbulham do coração de Brídia Moni.

Publicação escrita durante a cobertura do 47º Festival de Gramado

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