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A depressão pós-parto é o tema de terror dirigido pela atriz e dramaturga Bess Wohl

A atriz e escritora teatral Bess Wohl recorreu à linguagem do cinema para investigar, com auxílio de elementos de horror, a depressão pós-parto, já tratado em produções recentes: a comédia dramática Tully, o drama Respire Fundo ou a adaptação A Filha Perdida, além de haver buscado inspiração em O Bebê de Rosemary. A justificativa de Bess para criar a obra ao cinema é que o teatro é incompatível com bebês, além de o cinema ter mais ferramentas para explorar o íntimo da protagonista, Jo, interpretada por Noémie Merlant (de Retrato de uma Jovem em Chamas). 

Jo é uma influenciadora digital a dias de dar à luz à filha, Ruby. Após o nascimento, percebe que a bebê é estranhamente hostil e violenta, além de não contar com a participação do marido, o açougueiro gourmet Spencer (Kit Harrington, de Game of Thrones), ausente da maior parte da narrativa, enquanto fantasia que a sogra, Doris (Jayne Atkinson), ou um grupo de mães encabeçado por Shelley (Meredith Hagner) têm planos macabros para a criança. Como a narrativa se comunica com a linguagem do terror, mantendo-se na margem entre o real e o fantástico, o espectador deve decidir se as visões de Jo são delírios resultado do estresse emocional ou são ameaças de pessoas externas que tentam tomar Ruby para si (se é que não o fizeram).

Em certo momento, um bebê é batido contra o carro; noutro, o cachorro está comendo um pedaço de carne que Jo supõe ser Ruby. Esta caminhada sobre a corda bamba da razão é o tipo de compromisso emocional de que gosto no cinema de terror, uma espécie de narrativa de Schrödinger que admite interpretações válidas e simultâneas, a depender do modo como o espectador prefere a realidade à fantasia, ou vice-versa. 

Bess Wohl tem desenvoltura em enfrentar o mosaico de imagens factuais e surreais, com o domínio da forma cinematográfica na criação de imagens que dialogam com o espectador. Na visita de Jo e Spencer ao consultório pediátrico, Bess guarda até o momento derradeiro para revelar Ruby no enquadramento, escondendo-a da mesma forma que as mães fazem com os filhos no carrinho de bebê. Noutro instante, Spencer e a mãe conversam enquanto ignoram Jo, que precisa erguer-se para entrar no quadro (sinônimo de ser notada). Isto sem esquecer jogadas criativas com a imagem, quando multiplica e fragmenta Jo diante de três janelas ou a transforma literalmente em um monstro. 

Kit Harington não tem maior dificuldade em dar vida a Spencer, que interpreta o tipo de marido médio, prestativo e atencioso somente quando está presente, ou seja, praticamente nunca. Jayne Atkinson está enigmática em esconder, aos olhos de Jo, suas reais intenções. Já Noémie Merlant, em seu primeiro papel em língua inglesa, mantém-se introspectiva, uma decisão intrigante em se tratando de uma influenciadora digital, recorrendo só a excessos quando a narrativa assim exige no clímax. 

Parte de um conjunto de terrores feministas, em que a questão da mulher é vista através da linguagem do horror, Baby Ruby é um estudo sobre como a mais controladora das pessoas perde o controle sobre a própria vida após o nascimento da filha. É um terror a respeito da despersonalização da mulher ao se tornar mãe e da perda do eu e a tentativa desesperada de readquiri-lo a sós, sem qualquer rede de apoio, numa carta de boas-vindas competente de Bess Wohl.

Ainda não há previsão de estreia de Baby Ruby nos cinemas ou nas plataformas de streaming.

Filme assistido no 47º Festival Internacional de Cinema de Toronto

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