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It – Capítulo 2

It - Capítulo 2

169 minutos

Movido pelo sucesso da série ‘Strangers Things’, ‘It: A Coisa’ (2017) aproveitou a maré favorável a terrores infanto-juvenis e reabriu os portões dos estúdios às adaptações da obra de Stephen King graças à abordagem acertada da direção de Andy Muschietti (de ‘Mama’), a partir do roteiro de Gary Dauberman (da trilogia ‘Annabelle’, ‘A Freira’ e ‘A Maldição da Chorona’). O diretor extraiu os traumas adolescentes do Clube dos Perdedores e os traduziu em instantes de terror puro, com o apoio do elenco eficiente, da atuação assustadoramente insana de Bill Skarsgård e da nostalgia derivada do final dos anos oitenta. Contudo, não houve aquele familiarizado com a obra literária ou com o filme para televisão que não pôs os pés atrás quando imaginou como Andy tiraria da cartola a parte derradeira da história – e suas idiossincrasias -, e o resultado comprovou nossos medos ao ser bastante inferior ao do antecessor.

Isto porque, ao adotar uma estrutura bipartida em filmes independentes (não dentro de uma produção, como era no livro e telefilme), a narrativa precisa re-apresentar os personagens centrais que, por óbvio, não são mais os “perdedores” que conhecemos, e falha ao fazê-lo. Pessoas mudam e amadurecem, não apenas envelhecem, uma lógica que a narrativa teima em descumprir ao transformar as versões adultas em meros ecos de quem foram, através da repetição exagerada de características rasas (a gagueira de Bill, o senso de humor cáustico de Richie), sem a adição de aspectos relevantes as suas personalidades neste significativo intervalo de tempo. Se o emprego frequente de flashbacks tenta amenizar este desconforto ao recorrer ao elenco infanto-juvenil que admiramos, isto não vem sem provocar problemas de ritmo, além de quebrar, constantemente, a urgência da missão realizada na cidade de Derry.

Pelo ritmo – e, consequentemente, pela duração de 169 minutos -, não podemos culpar só a montagem de Jason Ballantine, mas principalmente a estrutura da narrativa, que desperdiça tempo caro durante o (estendido) prólogo de convencimento, que poderia ser descartado se Mike repetisse, com todos, o processo aplicado a Bill. Sobre isto, as regras de esquecimento estão afrouxadas o bastante para serem irrelevantes no correr da trama, com uma explicação mixuruca relacionada à distância que os personagens estavam, que abre um furo na lógica do antecessor: Mike, igual aos demais habitantes de Derry, não deveria haver esquecido o ataque em 1989, ao invés de ser o primeiro a lembrá-lo? Além disto, a sequência está em um meio termo incômodo: quando conveniente, tenta ser fiel ao material original, apesar de se afastar dele quando a mitologia começa a soar excêntrica ao gosto contemporâneo. Na prática, isto impede a direção de explorar adequadamente o ritual indígena e a origem cósmica da Coisa. E é intrigante que, com esta duração, a narrativa não pense em investir um mínimo tempo sequer para estabelecer a base necessária para os eventos havidos no terceiro ato.

Ao contrário, a narrativa está mais preocupada em estabelecer um sistema de fases (como um videogame), em que os personagens precisam, isoladamente (mesmo que seja uma “burrice” se separar), enfrentar seus medos, no passado e presente, a fim de obter artefatos para a fase final. Não está evidente qual é a lógica que rege estas sequências (Beverly e Bill enfrentam o medo apenas no presente; Ben, no passado; e Eddie, lá e cá), ainda que sejam executadas com talento por Andy Muschietti, como uma montanha russa repleta de sustos e construída a partir de uma atmosfera mais adulta e sombria na fotografia de Checco Varese. É verdade que a direção exagera nos jump scares, em que um personagem fecha os olhos para, no corte seguinte, uma criatura macabra e digital saltar em sua direção. Mas isto não tira o mérito de sequências tensas e angustiantes, como a ocorrida na sala de espelhos de um parque de diversão ou na casa abandonada. E até quando as cenas se revelam apenas acessórias à narrativa, como a de uma garotinha no estádio, a execução é boa o suficiente para ignorarmos sua irrelevância no todo.

Entretanto, ‘It: A Coisa – Capítulo 2’ peca pelo elenco surpreendentemente inconsistente. Não bastasse a presença reduzida de Bill Skarsgård, pois parte das aparições de Pennywise ocorre por efeitos computadorizados, James McAvoy e Jessica Chastain, que carregavam a responsabilidade do co-protagonismo, não conseguem criar versões de Bill e Beverly tão enriquecedoras e envolventes como foram as de Jaeden Martell e Sophia Lillis. Já Jay Ryan e Isaiah Mustafa têm pouco a fazer, senão serem, respectivamente, o interesse romântico daquela e o estopim do reencontro dos perdedores e o mais próximo do místico. Enquanto isso, James Ransone está (mais) irritante como o covarde e hipocondríaco Eddie, presente nas cenas mais surreais da narrativa – por exemplo, a canção Angel of the Morning -, assim como Bill Hader e seu inconveniente Richie. Ao menos este, por ser um ator cada vez mais completo e interessante, sabe o momento de dispensar o humor excessivo (sua válvula de escape e mecanismo de defesa) e voltar para o introspectivo que há dentro de si, com um momento tocante e emocionalmente satisfatório. A narrativa ainda ressuscita o psicótico Bowers (Grant), numa subtrama que inicia e termina sem razão alguma para existir, e oferece participações especiais ao autor Stephen King e aos diretores Peter Bogdanovich e Xavier Dolan.

Pelo menos, a direção de Andy Muschietti é inteligente, sobretudo quando antecipa qual a forma final da Coisa pelo reflexo na porta da casa que Beverly visita ou pelo vidro trincado como uma teia de aranha. A propósito, particularmente, adoro o simbolismo da cena perto do desfecho em que Pennywise é visto como se estivéssemos dentro do bueiro onde George desaparece no capítulo original. A decisão visual é criativa, muito embora à serviço de um terceiro ato desastroso, com luzes estroboscópicas que tornaram a experiência em um literal pesadelo para mim (que saí com dor de cabeça). E é no mínimo uma ironia cômica que este capítulo repita o problema da obra ficcional de Bill Denbrough, conhecido por proporcionar finais insatisfatórios aos leitores.

Ainda que saiba como assustar uma sala de cinema, ‘It: A Coisa – Capítulo 2’ parecer haver desaprendido a transformar os medos em matérias-primas do horror. Uma constatação que cheguei quando, nos créditos finais, recordei que detrás de seus instantes mais apavorantes estavam homens homofóbicos ou agressores, não o sádico, perverso e demoníaco palhaço Pennywise.

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2 comentários em “It – Capítulo 2”

  1. Lucas Vidal

    Crítica perfeita! Conseguiu expressar em palavras bonitas o que eu senti ao assistir o filme hahahaah, parabéns por mais uma crítica ótima!

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