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Rambo – Até o Fim

Rambo - Até o Fim

89 minutos

Pertinente observar como a ganância da indústria alterou o que originalmente representava John Rambo e ainda a percepção da opinião pública em relação ao anti-herói: um ex-boina verde e veterano da Guerra do Vietnã, recriminado pela opinião pública, desassistido pelo governo e vítima do TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático), consequência de todas as memórias brutais que simplesmente não consegue desligar. Em Programado para Matar (1982), o personagem combate uma ‘guerra’ contra a polícia local da cidade ironicamente denominada Hope (Esperança), que na realidade é a disputa intrapessoal de alguém incapaz de se adaptar à vida civil e regressar ao convívio social. O que deveria encerrar com o suicídio do personagem – era esta a primeira versão do roteiro -, acabou com sua prisão e regresso ao exército na continuação. Daí, não tardou para que John Rambo assumisse um posto de ideário do soldado norte-americano e migrasse aos jogos de videogame e desenhos dirigidos ao público infanto-juvenil, esquecendo quem o personagem era: a crítica daquilo que agora parecia endeusar.

Criou-se portanto, no imaginário popular, um Rambo que nunca existiu na prática, um mais próximo do que viria a simbolizar o Bryan Mills de Busca Implacável, apesar de vestido com a farda militar e dotado de técnicas de sobrevivência mais aprimoradas. Então, é natural que este capítulo final (será?) co-roteirizado por Matt Cirulnick e Sylvester Stallone encontre o personagem-título vivenciando dias pacatos em um rancho isolado – onde construiu uma caverna e trincheiras subterrâneas inclusive (!) – até a rotina ser devolvida à guerra quando Gabrielle (Monreal), uma jovem que ajudou a criar após a morte da mãe e o abandono do pai, é sequestrada pelo cartel de tráfico de mulheres encabeçado pelos irmãos Martinez (Jaenada e Peris-Mancheta). Não são precisos dois neurônios para imaginar o derramamento de sangue que a narrativa promoverá no momento em que Rambo descobre a impossibilidade de negociar a devolução de Gabrielle.

Assim, o alvo do personagem-título são, ao menos na superfície, homens misóginos que acreditam que as mulheres exploradas, comercializadas e submetidas a todo forma de tortura (física, psíquica, sexual) não são pessoas, mas coisas, mercadorias que precisam ser movimentadas e consumidas. Neste cenário, existe certa satisfação sádica e revanchista em assistir a Rambo trucidar estes bandidos, com requintes de crueldade mais próprios de produções de terror, do que dos filmes anteriores, mas que logo se dissipa ao notarmos a existência de um subtítulo grave e equivocado pela narrativa. Com exceção da tentativa frustrada de recomeçar uma franquia com o personagem em 2008, Rambo costumou verter sua violência contra os seus – que simbolizam o sistema -, porém, ao eleger mexicanos (só eles!) como vilões caricaturais, a narrativa abraçou a ideia de que estes merecem sua fúria. Consequentemente, a dos soldados americanos que simboliza.

Desta forma, cada ato de violência desferido por este exército de um homem só contra dúzias de capangas equivale a golpes do povo norte-americano contra o mexicano, em uma época de hostilidade por parte daquele governo, que não deveria ser acirrada e incentivada na ficção. A xenofobia da narrativa está melhor evidenciada após Rambo passar por cima, com facilidade, da cerca que separa a fronteira dos países, como se urgisse pela necessidade da construção do muro prometido por Donald Trump (um que pode ser visto, brevemente, em um plano aéreo). Não dá para esperar diferente do diretor Adrian Grünberg, que havia demonstrado qual sua visão míope do povo vizinho em Plano de Fuga (2012), no qual Mel Gibson era enviado a uma prisão mexicana repleta de estereótipos.

Decepciona observar como o personagem-título serve de instrumento para uma propaganda política disfarçada de thriller de ação, a fim de ser melhor deglutida pelo grande público, afinal, não há como torcermos contra Rambo nas circunstâncias postas, apesar de também ser nítida a tentativa de atrair a pecha de criminoso sobre o povo mexicano. Quando isto não ocorre, a narrativa reforça o caráter servil na figura de Maria (Barraza) ou a inércia da jornalista Carmen (Vega), que nada faz para combater a rede de tráfico senão registrar qual a hierarquia da organização. Pior ainda: ambas são mulheres unidimensionais introduzidas e descartadas pelo roteiro sem explicações. E mesmo quando este arrisca percorrer caminhos tortuosos e raramente explorados em produções similares, sua ideia de conclusão deságua em um episódio de… Esqueceram de Mim com a direção de Eli Roth (que também reforça a mensagem anti-migratória da narrativa, com uma ideia de que se vocês vierem a minha casa, levarão bala).

Mesmo que desconsiderássemos o caráter reprovável da narrativa e tornássemos a atenção apenas à ação propriamente dita, nem isto se salva. Desde a cena inicial, uma sequência mal fotografada, montada e finalizada – os efeitos visuais da inundação parecem saídos de um período pré-Independence Day -, a sensação é a de estarmos assistindo a uma produção-B que apenas ganhou notoriedade por causa do pedigree do personagem-título, preso em um misto de novela mexicana (desculpem!), nos instantes ‘dramáticos’, e de show de horrores do clímax. Este, para piorar, é rápido e retalhado de modo a subtrair o suspense que poderia haver antes de alguém tropeçar na armadilha de Rambo. É como se o resultado (mexicanos malvados morrendo brutalmente) fosse mais importante do que a construção da cena por completo, e, a considerar a sensação de que alguns figurantes morreram mais de uma vez, a conclusão seria óbvia: a uma parte da sociedade norte-americana, todo mexicano é igual.

Ou melhor, todo latino-americano.

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