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O Juízo

O Juízo

90 minutos

Igual ao ocorrido com Jack Torrance em “O Iluminado”, que mergulhava em direção à loucura como o resultado da influência maligna do hotel Overlook sobre sua natureza, Augusto também trilha um caminho parecido depois de herdar um casarão encravado no meio do nada. Endividado e alcoólatra em recuperação, Augusto (Camargo), acompanhado da esposa Tereza (Castro) e do filho único Marinho (Waddington), resolvem assumir o local e, quem sabe, dele tirar o sustento para recolocar a vida nos trilhos. Entretanto, uma presença sobrenatural de um ex-escravo (Criolo), de quando seu avô era vivo, está em busca de vingança por um ato de injustiça e ameaça o plano do protagonista.

Com roteiro de Fernanda Torres, trabalhando o cinema de gênero de forma bastante similar à produção do terror norte-americano, a trama apresenta os membros desta família com o mínimo de exposição, e isto não impede o espectador de preencher as lacunas de como era a vida antes de toparem habitar um imóvel onde sequer existe energia elétrica. Precisa estar bastante desesperado para topar a reclusão forçada, e esta vulnerabilidade é explorada pelo roteiro, na maneira como o pecado da ganância move Augusto a aterrorizar sua família. No entorno, ainda estão os coadjuvante vividos por Lima Duarte e Fernanda Montenegro, esta como a típica mediúnica que tentará contatar o além, apesar da incredulidade do Dr. Lauro (Eiras), que comanda o manicômio mais próximo.

Neste terror, a ambientação é mais importante do que o susto fácil, e Andrucha Waddington investe nas variáveis certas que maximizam a tensão. O isolamento do imóvel é demarcado a partir de um plano aéreo, no qual podemos confirmar a ausência de uma vizinhança a que recorrer em caso de perigo. Enquanto isso, a fotografia de Azul Serra torna o dia em noite a partir de um filtro que confere certa opacidade à imagem, utilizando a iluminação a seu favor – a luz de velas, sobretudo – para criar um ambiente inseguro e desconfortável dentro do lar. E se senti a falta do plano que estabelece a dimensão do imóvel e a disposição dos cômodos, no lado externo, a mata alta, a atmosfera carregada como se pudéssemos sentir a umidade no ar, a neblina e as chuvas frequentes tornam o ambiente ainda mais hostil do que parecia a princípio.

É o contexto perfeito para que Augusto comece a revelar, no bom trabalho de maquiagem e penteados, o definhamento progressivo ligado à loucura: os cabelos desgrenhados, a barba a fazer e as olheiras crescentes ajudam na tarefa de composição do ator, que está eficiente no papel título. Já Carol Castro e Joaquim Torres Waddington são competentes em estabelecer personagens que, embora não apropriadamente desenvolvidos no roteiro – Tereza é a figura materna e protetora; Marinho, o rapaz da cidade agora envolvido pela visão de uma mulher misteriosa – convencem-nos do drama a que estão submetidos pela ação do marido / pai. E enquanto Lima Duarte tem uma atuação calorosa e generosa, Fernanda Montenegro confere dignidade e volume a um recurso narrativo em forma de personagem que, contudo, não tem uma interferência determinante na trama.

Diretor de gêneros variados, como comédia (“Eu Tu Eles” e “Os Penetras”), drama (“Lope”, “Casa de Areia”) além da série “Sob Pressão”, Andrucha debuta no terror com a segurança para evitar que a trilha sonora de Antônio Pinto, Yaniel Matos e André Namur dite o ritmo da narrativa – e não o contrário. Andrucha somente parece perder a segurança e confiança no ponto de virada da narrativa, em que Guto parece saltar de homem de família à Jack Torrance propriamente dito sem que houvesse uma construção sólida de seu arco. Fora isto, o (anti-) clímax exibe problemas em sua resolução, preferindo a rapidez em vez da oportunidade de, aí sim, investir pesadamente no nervosismo do espectador que ansiava por este momento.

De todo modo, “O Juízo” é um degrau sólido na dramaturgia brasileira com um típico filme de gênero que, assemelhado às produções norte-americanas, carrega muito de nossa cultura e estilo para ser autêntica.

Crítica publicada durante a cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

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