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Sombra Lunar

Sombra Lunar

115 minutos

Na superfície, ‘Sombra Lunar’ parece ser a típica narrativa policial com elementos de ficção-científica, mas sua releitura permite revelar o objetivo que pretendia alcançar seu diretor Jim Mickle (de ‘Julho Sangrento’ e ‘Somos o que Somos’).

A trama escrita por Gregory Weidman e Geoffrey Tock (colaboradores da série ‘Limitless’) inicia na Filadélfia em 2024, oportunidade em que assistimos da janela de um arranha-céu o cenário de devastação provocado. Retornamos 36 anos a 1988, e a pergunta persistente que permanece na cabeça do espectador envolve o que houve no interregno temporal para que a sociedade caísse na barbárie social. A resposta está relacionada aos crimes que os parceiros Locke (Holbrook), policial ambicioso, determinado e a horas de ser pai e viúvo, e Maddox (Woodbine) decidem investigar para serem promovidos à detetive: a morte tripla de pessoas que não mantêm relação alguma senão uma marca de injeção na espinha. Na mesma noite, a dupla soluciona, digo, crê haver solucionado o crime para, 9 anos depois, se depararem com ocorrências idênticas praticadas pela mesma pessoa que julgavam estar morta.

Essa premissa narrativa estabelece um padrão em sua estrutura, um que dispensa maiores explanações além das fornecidas brevemente por um cientista e relacionadas ao fenômeno denominado superlua. Assim, passados 9 anos, reencontramos os personagens em posições e estados diferentes: em 1997, Locke realizou o sonho de se tornar detetive ao custo de uma paternidade que negligenciou a filha única, Amy. Já seu cunhado, Holt (Hall, um dos atores que tem o azar de ainda não haver encontrado no cinema o equivalente de ‘Dexter’), deixou o cargo de detetive, em que seu desconforto era visível, haja vista o figurino folgado ou os óculos que caiam do rosto, e agora virou tenente. São saltos no tempo que não demandam a cognição do espectador, nem fazem com que este procure preencher as lacunas, centrando a narrativa apenas no caso central.

É uma decisão interessante porque mimetiza a percepção obsessiva de Locke e reforça a negligência paterna, embora não seja a melhor para que haja o desenvolvimento apropriado dos personagens e das situações. Estas, podemos deduzir a partir do mundo contemporâneo: violência policial contra a população negra, o crescimento de movimentos de supremacistas brancos etc. Aqueles, porém, viram verdadeiras aparições responsáveis por repetir chavões e frases de efeito (a cena no bar entre Locke e Holt é vergonhosamente um amontoado de clichês) e provocar a reação simplista do espectador, que comparará personagem fulano e beltrano com Locke, e como a busca por respostas lhe deixou o caco de ser humano. Isto porque não mencionei a existência de um mistério paralelo, alusivo ao desaparecimento de um personagem, cuja única função na narrativa é a de explicar boa parte do plano ao espectador, como se este não fosse inteligente o bastante de deduzi-lo ao lado de Locke.

Se o roteiro é precariamente desenvolvido, ao menos a semente é suficientemente rica para ser capaz de sobreviver no deserto de ideias dos roteiristas e frutificar em uma resolução bastante satisfatória, que obriga o espectador a revisitar, mentalmente, certos momentos da narrativa, que terminam por engrandecê-la além da típica produção semanalmente lançada no catálogo da gigante do streaming.

O que existe na sombra da lua? (Trecho com spoilers)

Apesar de ser reaproveitado de ficções-científicas passadas, o conceito do tempo como uma via de mão dupla continua sendo a solução mais elegante para viagens no tempo. Não existe esforço para que compreendamos que, neste cenário, a definição de passado, presente e futuro dependerá do referencial adotado. Enquanto a trajetória de Locke caminha no fluxo convencional, a de Rya, sua neta, vai na contra-mão. Assim, para ela, o desfecho da trama é só o começo e o início, o encontro do metrô, seu fim, com a morte por ato do avô. Mesmo conhecendo seu fim, Rey não pode alterá-lo porque já o viveu no tempo pregresso, e caso pudesse, desconfio que não voltaria atrás em suas decisões.

Por causa da obsessão, uma aparente característica genética transmitida de Locke para Rey. Dela resulta uma expressão de violência que fomenta questões éticas e morais e uma guerra sem disparos e derramamento de sangue. Afinal, seria justo arrancar do mundo, como as ervas daninhas que são, aqueles que semearam o ideário de ódio entre etnias, evitando que este crescesse dentro do solo mais fecundo que há, a cabeça da população? Ora, o ato de desintegrar o cérebro vem como uma forma de derretimento das ideias, logo, preconceitos. Neste contexto, a narrativa ainda destaca os livros biográficos de Thomas Jefferson, George Washington ou Andrew Jackson, parte dos chamados pais fundadores dos Estados Unidos, que criaram, a partir de 13 colônias, uma nação fundada na liberdade de uns (os brancos) e na escravidão de outros (os negros).

Assim, não é em vão que o diretor Jim Mickle adicione sequências que antecedem o Black Lives Matter e criticam a polícia racista norte-americana alimentada, como todos os demais, pelo panfleto extremista que é alvo de Rey (O Movimento da América Verdadeira). É como se o acidente, por ato de Locke, que resultou na queda da neta na plataforma do metrô fosse a simbologia usada pela narrativa para revelar que aqueles pais fundadores (representados pelo avô) são os responsáveis pela morte de seus filhos negros (no caso, Rey).

Por estas que amo o cinema: quando imaginaria que haveria tal crítica histórica pertinente e atemporal em veículo narrativa, na maior parte do tempo, medíocre e genérico?

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