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Los Lobos | Luz nos Trópicos | Los Conductos

Críticas dos filmes exibidos no 9º Olhar de Cinema, 2ª edição.

Textos publicados durante a cobertura do 9º Olhar de Cinema

4) Los Lobos (Dir. Samuel Kishi)

Sinopse: Para muitos, o isolamento social não é uma invenção da pandemia. Realizado antes de qualquer quarentena sanitária, Los Lobos se baseia nas lembranças da infância do seu diretor: um mexicano que, repentinamente aos cinco anos de idade, se vê habitando, com sua mãe e irmão mais novo, uma terra estranha (ironicamente chamada de Novo México) em outro país. Lá, enquanto a mãe sai para trabalhar, as crianças vivem confinadas ao interior de um pequeno e desconfortável apartamento. Assim como suas imaginações e engenhosidade, o cinema se torna uma expansão de experiências e máquina de gerar empatia.

Não é de hoje que famílias decidem abandonar suas pátrias e tentam a sorte em países estrangeiros cujos idiomas desconhecem, mesmo com a alta probabilidade de serem tratados com hostilidade e indignidade e explorados economicamente pelo mesmo sistema que critica seu ingresso no país. No entanto, aprofundar-se nisso não é o objetivo da narrativa de Samuel Kishi, que sugere de passagem estas questões, embora esteja dedicado a explorar o olhar infantil diante daquela situação e como a mãe, Lucía, tenta manter seus filhos, Max e Leo, no apartamento sujo e mal iluminado que consegue pagar.

O drama acontece em frente às câmeras, mas também fora dela. A ausência materna, ou a presença apenas através do gravador de fita cassete, é o conflito de Max e Leo, cuja saída é apelar ao mundo da imaginação a fim de tolerar as horas extensas de dias iguais, assistidos da janela do apartamento. Ambos não podem sair para brincar com crianças, que podem já haver vivido situações similares ou não. Também não frequentam a escola, e tem como contato externo somente a locadora Sra. Chan, que, também imigrante, lentamente começa a conquistar o afeto daquelas crianças. Fora do olhar, a jornada dupla ou tripla de Lucía e o esforço em conferir o mínimo existencial, mesmo que isto drene a menor oportunidade de curtir os filhos ao retornar para casa. Enxergá-la à altura do olhar de Max e Leo ainda a distancia do contato afetivo, em um princípio de torná-la estranha aquele universo.

Por ser inspirado em sua experiência como imigrante, Samuel Kishi demonstra uma solidariedade imensa com o tema, manifestada na recusa em procurar antagonistas em figuras unidimensionais. Em vez disto, é perceptível o desejo, ainda que de modo singelo, de colocar todos os personagens do microcosmos narrativo no mesmo barco, apenas experimentando dissabores diversos provocados pela mesma situação e reagindo também de forma particulares.

Além disto, Samuel Kishi evidencia ter bastante capacidade na direção de crianças, no que confere à narrativa credibilidade com os jovens atores amadores Maximiliamo e Leonardo Nájar Márquez, cuja inocência é o melhor realce da iluminação em baixa luz principal e cores desbotadas. E mesmo que a ingenuidade, na forma dos lobinhos animados, ainda continuará além dos 95 min de duração, infelizmente não resistirá à experiência no país que gostava de ser conhecido como uma terra de oportunidades.

Crítica | Los Lobos (Samuel Kishi, 2020) - Plano Crítico

5) Luz nos Trópicos (Dir. Paula Gaitán)

Sinopse: Em 2013, após décadas de trabalho em múltiplas linguagens, Gaitán estreava sua épica primeira ficção, Exilados do Vulcão. Ainda mais audacioso, seu mais recente filme navega por memórias caudalosas das Américas. Inspirado em uma expedição europeia do séc. XIX e mobilizado pela busca de Igor (interpretado por Begê Muniz) por sua ancestralidade Kuikuro no momento presente, o river movie revisita e reinventa, entre Nova Iorque e o Pantanal, imagens, parcerias e procedimentos que atravessam a obra da artista. Nesta impressionante viagem, a passagem do tempo se dilui no fascínio persistente das mais instigantes paisagens sonoras e visuais.

Eu seria desonesto com vocês se não admitisse meu susto ante a duração de 4 horas e 20 minutos deste retrato histórico e antropológico contado no pantanal mato-grossense. De minha parte, existe um preparo mental em narrativas iguais a esta para fazer frente à intimidante metragem, mas se há algo que aprendi em dez anos na crítica cinematográfica é a respeitar o tempo cinematográfico e o significado em deixar a câmera registrar segundos e minutos a mais do que, em nossa ignorância cinéfila, acreditaríamos ser necessário. Ou melhor, qual o momento certo em gritar corte e, mais ainda, qual o ponto em que o montador, na pós-produção, deve executar o corte para a versão final.

Ao permitir que a câmera namore o cenário esplendoroso ao seu redor, como p. ex. manter-se fixa no canoeiro enquanto sobe o rio Xingu ou no extenso tempo que a expedicionária portuguesa toma para despir-se, Paula Gaitán tenta alcançar um estágio de equilíbrio e comunhão com o meio onde está inserida. Torna-se parte dele, não apenas uma espectadora. Busca honrar o estilo de vida do povo Kuikuro na narrativa pacata e que não tem pressa em apresentar-se, e ainda o encantamento dos colonizadores quando conheceram o interior deste paraíso intocado na terra.

Paula Gaitán, então, apresenta o retorno de um jovem da terra fria onde habitava às raízes nativas e calorosas, enquanto reencena uma expedição franco-portuguesa ao Pantanal, em uma montagem audaciosa que ignora a chancela do tempo e do conceito de início, meio ou fim. É o meio de atribuir a atmosfera alucinatória e reflexiva ao fascínio proporcionado por uma experiência manifestada no encontro de ideias e abstrações, não de personagens. O que é concreto não existe no plano do texto, que ainda namora a ideia de interconectividade entre passado e presente a todo instante, mas na forma utilizada com liberdade, mas não libertinagem.

Ao largo da aventura, até refletimos sobre aspectos fílmicos, como p. ex., o filtro rubro em alusão ao mesmo urucum com que os Kuikuro tingem os cabelos e que servem como demarcação da presença nativa mesmo em outro continente, entretanto, com o passar das horas, é notório que a experiência abdica do superficialmente racional em troca do sublimemente artístico. O tempo, ferramenta base da história, não sobrevive intacto a este paralelo entre os Brasis e sua relação com o passado nativo em uma obra intimidadora, sim, mas em tudo gratificante.

Luz nos Trópicos', o épico da cosmogonia

6) Los Conductos (dir. Camilo Restrepo)

Sinopse: Restrepo ganhou destaque após uma série de curtas-metragens alegóricos que pairavam no precipício entre a Vida e a Morte. Depois de Cilaos (Olhar ’17) e La Bouche, vem o primeiro longa-metragem vulcânico do cineasta nascido na Colômbia, no qual um jovem atormentado chamado Pinky (interpretando uma versão de si mesmo) busca orientação em forças opostas em Medellín. Sua jornada saindo dos confins de uma seita religiosa para o trabalho em uma fábrica de camisetas se depara contra violentas rupturas, que ocorrem de maneira tranquilizante e chocante. O país de Pinky surge como uma espécie de sonho febril. E sua história como um pesadelo do qual a arte o ajuda a despertar.

O longa-metragem de estreia de Camilo Restrepo estabelece a visão pessimista da Colômbia a partir da maneira com que marginaliza o protagonista, que sobrevive sabe Deus como em subempregos e perdido em devaneios e delírios. Não conhecemos Pinky, não sabemos o que passa no interior de sua cabeça ou de seu coração. Pinky é como um destes milhares de rostos que, nos sinais de trânsito, esmolam sua sobrevivência, ou apenas transitam a ermo nas avenidas das metrópoles, e com os quais firmamos breve, mas marcante contato visual, até que desapareça o homem e reste a ideia de como o Estado falhou a sociedade a partir do desamparo do indivíduo.

Pinky é a realidade no estado bruto, sem remorso de quem é/foi, sem sonhos de quem será/ia, anestesiado após a dor e exclusão. É um emaranhado de fios de cobre, brutalmente arrancado do corpo onde funcionava, e obrigado à ressignificação no caldeirão onde irá ter seu destino moldado ao destino de outros que estavam na mesma situação. Camilo Restrepo o vê mais como ideia, como dispositivo, menos ser humano. Talvez seja esta a razão por que a forma empregada pelo cineasta tenha atraído mais minha atenção do que a pessoa em frente as telas.

Filmado em 16 mm, no que confere bastante granulação na fotografia noturna e também espreme a razão de aspecto (o tamanho da tela) e, por consequência, aprisiona Pinky no próprio destino, Los Conductos, o filme de estreia do diretor, é crítico em como enfia seu dedo na ferida não somente da Colômbia, mas dos países cujos valores sociais deveriam ser avaliados não através de estatísticas e números que nada dizem, e sim da forma com que o mais miserável de seus membros (sobre)vive. Contudo, embora não perca a força, a crítica narrativa perde substância quando age igual ao objeto, e despreza Pinky em troca do discurso.

Los Conductos': Berlin Review | Reviews | Screen

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