Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

A Guerra do Amanhã

A Guerra do Amanhã

140 minutos

Por Thiago Beranger

O cinema blockbuster vem se desgastando nos últimos anos porque foi cooptado e transformado em uma coisa meio monotemática. Sim, foram os filmes da Marvel que criaram uma lógica replicada em basicamente 90% das obras que se propõem a atingir as massas com esse viés da ficção científica/ação. Essa lógica se baseia em um CGI que busca a verossimilhança a qualquer custo, uma narrativa prosaica, criada com base em algoritmos e pesquisas de mercado, que muito pouco acrescenta e, mais recentemente, a inclusão de questões socioculturais atuais para que o filme ganhe alguma relevância temática e isso mascare a forma preguiçosa.

É mais ou menos desse jeito que a nova produção lançada pelo Prime Video, A Guerra do Amanhã, se comporta. Em um futuro não tão distante a Terra foi tomada por criaturas alienígenas monstruosas chamadas Garras Brancas, que dizimaram a população do planeta, reduzindo-a a cerca de apenas 500 mil pessoas. Por conta disso, os sobreviventes voltaram ao passado para recrutar combatentes que possibilitem a continuidade da guerra e a defesa do planeta, unindo exércitos e civis de todas as nações. O presente então precisa enviar combatentes semanalmente para uma guerra da qual poucos retornam. Nesse contexto, o ex-militar e atual professor de ciências Dan Forester (Chris Pratt) é convocado e precisa sobreviver a sete dias em uma distopia para conseguir retornar ao presente, onde (ou quando) ficaram sua filha Muri (Ryan Kiera Armstrong) e sua esposa Emmy (Betty Gilpin).

Essa coisa de uma guerra travada no futuro, em que a humanidade precisa da ajuda do passado para combater poderia até ser interessante, justamente por dialogar com várias problemáticas fundamentais da atualidade. Aquecimento global, poluição da água e outras questões relacionadas à preservação ambiental e sustentabilidade, de forma geral, são todas fruto de processos que se iniciaram no passado, tem se aprofundado no presente e que vão estourar de verdade lá na frente. Portanto, faz todo o sentido que gerações futuras chamem os adultos de hoje para a responsabilidade de resolver esses problemas. O filme se relaciona com isso, inclusive associando a presença dos alienígenas na terra ao derretimento das calotas polares.

Acontece que o filme atravessa esse tema com a superficialidade de um aluno do ensino fundamental apresentando um trabalho na feira de ciências (sintomático que coisa parecida seja importante na resolução do filme, inclusive). Em nenhum momento essa referência vai além das consequências e toca na causa, em nenhum momento essa problemática se efetiva dramaticamente para além do sentimentalismo familiar. Fica tudo muito simples e moralista.

Logo em seu primeiro ato, o diretor Chris McKay estabelece paralelos entre passado, presente e futuro através dos seus personagens. O avô James (J.K. Simmons), o pai Dan e a filha Muri fazem esses papéis respectivamente. Dan não perdoa seu pai por tê-lo abandonado na infância, este por sua vez alega que os traumas da Guerra do Vietnã o danificaram e que o abandono na verdade foi um ato de proteção. Em resposta a essa sombra do passado, o protagonista busca então ser um pai e marido exemplar, para não repetir os erros cometidos por James.

Fica claro que a partir daí a história vai evoluir por um caminho muito mais íntimo. O comentário acerca das questões globais é reduzido a um drama familiar, que se torna previsível. É óbvio que a viagem no tempo vai levar Dan a conhecer sua filha no futuro, para que seu arco de perdão se resolva a partir daí. É claro também que ele cometeu os mesmos erros que seu pai, em um futuro que nunca viveu, mas que Muri descarrega sobre ele em um momento de raiva. Isso é algo que incomoda pela incoerência com o personagem que nos é apresentado inicialmente: um pai exemplar, tradicional, que em nenhum momento revela qualquer traço de insegurança em relação à sua família. Parece que suas falhas advém apenas da necessidade em criar um paralelo entre as suas ações e as de James, para que essa identificação gere depois o perdão. Para justificar, roteiro se ancora em uma lógica até determinista, em que o filho está fadado a cometer os mesmos erros que seu pai.

Bom, voltando para a questão mais metafórica, temos no final das contas o representante do presente (Dan) que cria a solução para a crise com a do futuro (Muri), mas que precisa se reconciliar com o agente do passado (James) pra resolver efetivamente o problema do planeta. Parece simples, como se todas essas problemáticas se resolvessem apenas com o bom e velho “poder do amor”. Não é fácil nem bonitinho assim.

Esse papo todo se revela formalmente também da forma mais genérica possível. Apesar disso, algumas coisas são legais. Chris Pratt, no final das contas, é um dos melhores interpretes do herói americano clássico nos dias de hoje. Essa reunião de um carisma bem-humorado com uma boa fisicalidade é algo que consagrou muitos astros de Hollywood ao longo das décadas e vem tornando o ator um dos mais requisitados para esse tipo de papel, com justiça. A presença do ator é algo que mantém o filme minimamente interessante porque ele efetivamente encarna esse espírito heróico do protagonista.

Outra característica (nada) marcante é o CGI utilizado exatamente à moda Marvel, buscando aquele realismo pasteurizado que vemos na maioria dos blockbusters de hoje. Contudo, dentro dessa proposta, os “Garras Brancas” são visualmente ameaçadores. Eles transmitem muito bem essa noção de irracionalidade, de força da natureza. A ameaça que eles representam é crível porque se relaciona com o instinto. Eles têm fome e os seres humanos são alimento. Nada pode ser mais ameaçador do que isso.

Contudo, apesar dessas boas características que geram momentos divertidos, tudo converge para uma ação filmada exatamente da mesma forma que em qualquer filme medíocre do mesmo estilo rodado nos últimos 20 anos. A sequência que se passa em uma Miami pós-apocalíptica, por exemplo, reflete muito bem esse problema. Tá tudo lá, a cena clássica na escada de um prédio, o sacrifício heróico de coadjuvantes carismáticos, uma ambientação pós-apocalíptica sem nenhuma identidade própria… É por isso que a produção tem feito um sucesso relativamente grande por aí: ela é totalmente familiar. Já foi feita pelo menos umas 15 vezes recentemente. E é pelo mesmo motivo que na semana que vem, provavelmente, ninguém mais vai falar sobre ela, até que vire franquia e saia a continuação. E pelo jeito, isso vai acontecer. 

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Dente de Leite

Crítica de Dente de Leite, tragicomédia australiana sobre

Rolar para cima