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Escola de Rock

Escola de Rock

109 minutos

Por Thiago Beranger

Richard Linklater possui em sua obra alguns filmes coming-of-age. Essas são narrativas que de alguma forma acompanham o amadurecimento dos seus personagens, normalmente saindo da infância/adolescência para a vida adulta. Talvez “Boyhood” (2014) seja o primeiro filme do diretor que vem à cabeça quando pensamos neste gênero, mas defendo que “Escola de Rock” (2003) também pode ser considerado um coming-of-age, ou melhor, uma subversão do que esse gênero significa como forma de crítica à ideia infantilizante propagada por elementos da cultura rock’n’roll. Isso porque, apesar da existência de muitas crianças no filme, o arco de amadurecimento não está relacionado a elas e sim ao protagonista já adulto.

Dewey (Jack Black) é esse personagem. Ele inicia o filme como um homem de meia-idade extremamente infantil, ególatra e irresponsável, que vive às custas do seu melhor amigo, Ned (Mike White), enquanto nutre o sonho de se tornar um rockstar. Ele é expulso de sua banda, às vésperas de um importante concurso que ambicionava vencer para conseguir cumprir com suas obrigações financeiras. Desempregado e sendo cobrado por todos ao seu redor, Dewey resolve assumir o lugar de seu amigo ocupando o cargo de professor substituto em uma escola particular de elite. Ao descobrir em seus “alunos” um talento musical, ele decide cooptá-los e transformá-los em sua banda de apoio, para que ainda possa participar da competição.

Racionalizando, o protagonista é alguém detestável, um aproveitador que se mantém parasitando todos ao seu redor para seguir sem encarar as responsabilidades da vida. Contudo, à medida em que o filme avança, essa persona vai se desconstruindo de modo que nos afeiçoamos a ele, mesmo diante das suas falhas de caráter.

O carisma de Jack Black que tem grande responsabilidade nesse processo. O ator transmite uma inocência em sua interpretação, que se por um lado resulta em um humor escrachado, físico, até meio bobalhão demais, por outro também gera certa comoção. Conseguimos enxergar uma criança em um homem que naquela altura já tinha mais de trinta anos de idade. Esse aspecto sonhador de Dewey e a antipatia de Patty (Sarah Silverman), a namorada de seu amigo que é responsável pelas cobranças mais contundentes ao personagem, talvez sejam os elementos que provoquem alguma empatia por ele, mesmo diante de tanta irresponsabilidade.

A presença das crianças também é muito importante nesse processo de humanização do protagonista. A química entre Black e o elenco infantil é avassaladora e reforça a simpatia pelo personagem. Pouco a pouco a relação entre eles vai provocando uma quebra da figura imatura, que dá lugar a um “professor” de coração doce, carinhoso e responsável. Esse senso de responsabilidade que as crianças geram em Dewey fica bem evidente na cena em que o baterista Freddie (interpretado por Kevin Alexander Clark que infelizmente faleceu no último mês de maio), se perde dos demais alunos na primeira “excursão” da turma e acaba em uma van jogando carteado com um grupo de rockeiros. O protagonista vai à loucura por uma genuína preocupação. Nesse momento ele inclusive fala para os homens (e para si mesmo) que eles precisam se comportar como adultos, para servirem como um exemplo positivo para as crianças. Fica claro portanto o processo de amadurecimento, que tira o personagem de uma posição infantilizada e o coloca de fato na “vida adulta”.

Acontece que Linklater usa essa característica do coming-of-age para tecer no subtexto um comentário interessante acerca do próprio rock’n’roll. Dewey e seu hedonismo irresponsável são a personificação do paradigma do “sexo, drogas e rock’n’roll”. Algo que precisa ser, e de certa forma está sendo, desconstruído pelos rockeiros porque não cabe mais no contexto atual. Pensando na história do rock, entendemos que esse tipo de comportamento era uma resposta a uma sociedade ultraconservadora, que castrava os jovens das suas liberdades. Isso foi importante para estabelecer uma subversão dos valores morais, principalmente nas décadas de 60 e 70, resultou em conquistas sociais que reverberam até os dias de hoje.

Atualmente as questões são outras, esse comportamento destrutivo saiu de moda porque o momento agora é de construção. Revolucionar é propor uma nova moral que substitua aquela que foi superada por movimentos sociais e culturais que beberam muito dessa cultura rock’n’roll. O próprio “professor” Dewey ilustra muito bem essa ideia em uma aula que ministra. O rock não serve pra “pegar as meninas” ou “ficar doidona” como as crianças afirmam quando perguntadas, tendo em mente esse imaginário antigo. O objetivo do rock, nas palavras do próprio protagonista, é “desafiar o homem”. Isso significa e sempre vai significar questionar, revolucionar, não se conformar com o que está posto. Isso sim é o verdadeiro espírito do rock, o resto é só pose. É isso o que Dewey aprende com as crianças: a amadurecer no comportamento, sem perder o espírito sonhador, como acontece com os outros adultos da história.

“Escola de Rock”, dentro dessa perspectiva, se torna o coming-of-age do próprio rock. Uma cultura que, assim como o protagonista do filme, amadureceu tardiamente. Que passou anos e anos pregando e reproduzindo um estilo de vida destrutivo e que nesse sentido precisa evoluir. Mas que não pode perder o brilho no olho que mudou a vida de muita gente e entregou para a humanidade uma verdadeira revolução em âmbitos artísticos, políticos e sociais. Esse brilho precisa ser transmitido de geração em geração por quem efetivamente ama fazer parte da cultura rock’n’roll. E isso o filme faz muito bem.

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