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O Silêncio da Chuva

O Silêncio da Chuva

93 minutos

O Silêncio da Chuva é o que eu poderia chamar de samba noir, em que um delegado de polícia com nome de filósofo, Espinosa, tenta desvendar o mistério da morte de um executivo do setor imobiliário e sobreviver às consequências dele. Dentro da máxima do ‘nada é o que parece ser’, assim também é a narrativa, que adapta a sua maneira os elementos estilísticos característicos do cinema de mistério: a trilha sonora na cena inicial, antes que esta seja substituída pelo samba, a fotografia em contrastes e as cores vermelho e azul expressivas, a trama e suas ramificações na corrupção com o serviço público e no adultério. É um noir, porém com tempero brasileiro, em que Lázaro Ramos é menos Humprey Bogart, mais Sterling Hayden.

Mesmo protagonista, Espinosa tem menos oportunidades de se desenvolver como personagem. O roteiro, de modo desastrado, introduz duas cenas em que está na roda de samba para percebermos como a rotina do trabalho o impede de curtir a vida e o amor. Já o livro com que anda a tiracolo, A Morte da Verdade, fala acerca da manipulação de informações na era Donald Trump e o período já conhecido como pós-verdade, e parece inserido como uma pista narrativa e não para robustecer o personagem. Além disto, detalhes escassos revelam as facetas de sua personalidade, a exemplo do disparo efetuado na perna de um fugitivo, enquanto os personagens clássicos do cinema noir não hesitariam em atirar, para matar, pelas costas. Lázaro Ramos tenta readquirir a agência, como na cena em que se surpreende com um comentário racista, que escuta e não retruca, ou no toque na mão de quem havia sofrido demais. No final, é mais espectador do desenrolar dos acontecimentos.

O roteiro de Lusa Silvestre (de Estômago e O Roubo da Taça) conhece as raízes e referências do filme noir e planta dúvidas à medida em que Espinosa e o espectador descobrem mais informações. Por certo tempo, permanecemos na incerteza em quem acreditar até que o roteiro, corajosamente, muda a perspectiva pela qual iremos enxergar a narrativa. Em vez da investigação de assassinato (ou não) de Ricardo, o que importa são as consequências disso. Isto leva o espectador a perseguir pistas falsas em becos sem saída, retirando a máscara de alguns personagens e inocentando outros, prendendo a atenção na maior parte do tempo. Por outro lado, o roteiro peca na ingenuidade, como ao obrigar um personagem a beber cerveja batizada quente (bastaria trocar por uísque), e é muito problemático ao instrumentalizar o estupro como mecanismo de defesa.

O diretor Daniel Filho reuniu um elenco caprichado. Afora Lázaro Ramos, Cláudia Abreu interpreta a esposa traída (ou traída) por Ricardo, em um papel menor que exige a intensidade da atriz, Otávio Müller é um ex-policial machista, desregrado e infame por quem estabelecemos asco mesmo que a confiança de Espinosa seja transportada ao espectador, Thalita Carauta é a parceira e a conselheira amorosa divertida de Espinosa e Guilherme Fontes confere algum peso dramático em participação breve. O destaque do elenco é Mayana Neiva, que externa o sofrimento de Rose sem que isto a torne mera vítima dos homens ao seu redor. Ao colocar uma peruca loira, Rose simula as femme fatales do cinema e manifesta a moral angulosa da personagem.

“Esse crime não foi passional. Eles não ouvem samba”, menciona Espinosa em certo momento. Ainda que O Silêncio da Chuva seja quadrado e não reinvente o filme noir com as regionalidades nacionais tampouco desperdiça a chance de o cinema brasileiro emular gênero atípico de sua cinematografia. Faltou mais samba a Daniel Filho, mas o resultado não é insatisfatório.

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