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A Mulher que Fugiu

A Mulher que Fugiu

77 minutos

Por este filme, Hong Sang-soo venceu o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Berlim/2020

Corro o risco de parecer repetitivo, pois muito já foi escrito e dito acerca do estilo minimalista do diretor sul-coreano Hong Sang-soo, premiado com Urso de Prata de melhor diretor no festival de Berlim por este A Mulher que Fugiu. Este trabalho é ainda mais minimalista do que seus anteriores, atraindo a atenção do espectador aos diálogos, mais do que às ações ou eventos que os envolvem.

Desse modo, com exceção dos zooms esporádicos que reenquadram a cena como se fosse um ponto de exclamação no discurso cinematográfico ou da movimentação lateral da câmera de uma personagem a outra, a narrativa de A Mulher que Fugiu beira a encenação teatral. O espectador é posicionado diante de Gam-hee (Kim Min-hee), que, depois da viagem do marido, decide visitar três amigas. Cada um destes encontros é acolhedor de um modo singelo, sem interferir no seguinte, senão na espera pessoal da protagonista.

Isso porque, se existe um aspecto em comum nos terços da narrativa, é o fato de que a trajetória destas mulheres é determinado, em maior ou menor grau, por figuras masculinas. Estas permanecem ocultas, ao menos fisicamente, embora espiritualmente presentes: seja no relato do divórcio, seja no comentário a respeito de um relacionamento, seja na figura do artista intelectual e intimidador, seja na frase repetida por Gum-hee, de que nunca havia se separado do marido, nem por um dia, em 5 anos.

A forma como isso é apresentado, três vezes, como se as palavras houvessem sido ensaiadas, sinaliza a apreensão emocional de Gum-hee que parece hesitar nas palavras que saem de sua boca. Uma mentira repetida inúmeras vezes se torna uma verdade é um bordão que vem à cabeça ao pensar nas razões disto. Ao mesmo tempo, a sororidade está consolidada na narrativa, de modo imperfeito, pois se aquelas mulheres têm conhecimento de que precisam cuidar umas das outras, a razão do encontro é somente a partida temporária de uma figura masculina.

O discurso de Hong Sang-soo é também eficaz em ilustrar, nos três atos, homens que impõem algum tipo de obstáculo (externo ou interno) às mulheres, como o vizinho que pede para que não sejam alimentados os gatos de rua. Enquadrados de costas, de certo modo despersonalizados pois sem o direito ao contra-plano, estes homens se mostram irrelevantes à narrativa senão no conflito que proporcionam no instante do tempo.

Com isso, Hong Sang-soo propõe um discurso direto, sem embargos ou interferências imagéticas nem subterfúgios, senão mediante verdades plantadas no subtexto que delineiam a personalidades daquelas mulheres. O sentimento é de que o diretor se liberta do desejo de impor intensamente sua impressão digital, mas, enquanto faz isto, age de maneira semelhante aos homens que critica. Aqueles ocultos, além dos fragmentos filmados, mas presentes.

Como diretor e titereiro, lá está Hong Sang-soo, mesmo quando não o vemos. Ao perceber e acolher esta nuance e reconhecer a importância dos instantes de fuga de Gam-hee (e ainda das demais personagens) e do eventual reencontro consigo no mundo de fora, o diretor incansável encena um de seus melhores filmes.

A Mulher que Fugiu está disponível na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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