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El Topo

El Topo

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Por Alvaro Goulart

“A imagem é uma criação pura do espírito”, afirma André Breton, no manifesto surrealista.

Por falar em surrealismo, El Topo, apesar de um faroeste, tem muito mais relação com Buñuel e Dalí do que com Sérgio Leoni. Inclusive, quase nada vemos de movimentos de zoom e closes, tão característicos na Trilogia dos Dólares. Por outro lado, Jodorowsky homenageia o diretor espanhol fazendo referência à sua podolatria.

O pistoleiro de vestes negras, mais comum nos spaghetti western, é um anti-herói quase sempre à procura de vingança. Muitos personagens e seus intérpretes compõe o hall da fama desse subgênero. É o caso de Sabata (Lee Van Cliff), Sartana (Gianni Garko) e Django (Franco Nero). El Topo (interpretado por Jodorowsky) inicia sua busca por vingança acompanhado de seu filho (Brontis Jodorowsky, filho do diretor). Após um ritual de despedida da infância, o pistoleiro e a criança nua encontram uma vila devastada e partem a procura dos responsáveis pelo massacre.

O faroeste de Jodorowsky também é uma amalgama de elementos fantásticos que se permite ser tanto sagrado quanto profano enquanto utiliza de símbolos do cristianismo, budismo, xamanismo e do ocultismo.

Apesar de ser motivada pela vingança, a jornada do anti-herói passa por transformações. O impulso de morte e amor se mesclam na motivação do protagonista de superar quatro pistoleiros que residem no deserto. El topo abandona seu filho e é cegamente guiado pelo desejo e o afeto da mulher que havia resgatado para mergulhar na imensidão do espaço e do tempo – ambos em espiral. Seus adversários mais se aproximam de figuras xamânicas do que pistoleiros. E, mesmo que de maneira covarde, o anti-herói os supera um a um. No lugar de sepultamentos nos deparamos com rituais de transmogrificação.

É da mesma maneira que o pistoleiro que se autoproclama Deus é surpreendido por uma segunda mulher cujas vestes se assemelham às suas, como se fosse seu alter ego feminino. A conclusão da cena se dá em uma mímica corporal que remete à crucificação de Cristo. O capítulo seguinte é iniciado com o despertar de uma meditação e a transformação do pistoleiro em um monge, cultuado entre os deficientes da caverna como uma espécie de Buda. E os três capítulos do longa recebem o nome de trechos da Bíblia: Gênesis, Salmos e Apocalipse.

El Topo é um êxtase incômodo. É provocativamente grotesco e sensorialmente visceral. Os elementos formais que trazem um aspecto onírico e até alucinógeno à obra compõem sua atmosfera surrealista. Existe também um toque de humor anárquico como ao colocar uma bexiga esvaziando tal qual um cronômetro para o estopim do tiroteio. Não é só aleatório. É Dadá! O dadaísmo da obra também se revela no incômodo burlesco (grotesco) ao denunciar a hipocrisia social e seus absurdos – mais atuais do que gostaríamos de admitir.

O diretor chileno rompe paradigmas e até mesmo regras. Seus bandidos, rústicos e violentos, se revelam homossexuais e fetichistas; utiliza de ossadas reais e animais mutilados em decomposição em sua composição; simula sexo oral com o uso de um cacto; rompe com as regras ao encenar uma execução em um mesmo quadro.

Para apreciar El Topo não se faz necessário nenhum entorpecente. Basta se permitir enxergar o filme com os olhos da contracultura herdada de Woodstock, seu rompimento com os valores tradicionais e o acolhimento ao esotérico e todos os demais caminhos para a elevação espiritual. Afinal, tanto El Topo quanto Jodorowsky são zeitgeists dos anos 70.

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