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Imperdoável

Imperdoável

112 minutos

Drama da Netflix com Sandra Bullock sacrifica boas ideias em prol de um plot twist nada surpreendente. Mirou no Oscar e acertou no esquecimento.

Por Thiago Beranger.

Existe hoje uma ideia curiosa que percebemos manifestada nas redes sociais: a valorização dos chamados “filmes de plot twist”. Nossa, como eles são queridos. As pessoas buscam cada vez mais esse tipo de narrativas e os serviços de streaming não perdem tempo em entregar. O “plot twist” obviamente não é nenhuma novidade dentro da arte cinematográfica. Aliás, ele precede o próprio cinema, uma vez que é um dispositivo narrativo muito empregado em outras artes como teatro e literatura. Quando bem feito, ele tem o poder de ressignificar toda uma história, fazendo com que ela ganhe novos contornos e cores em uma segunda assistida, por exemplo. Quando mal empregado é um truque vazio e rasteiro, que pode até funcionar como um estímulo mais imediato, mas que perde força assim que o filme acaba. “Imperdoável”, novo lançamento da Netflix protagonizado por Sandra Bullock se enquadra no segundo caso.

A atriz interpreta Ruth, uma mulher condenada por ter matado um policial. Após cumprir 20 anos de pena, ela consegue a liberdade condicional por bom comportamento e sai em busca de reconstruir sua vida, tentando reencontrar a única família que possui: sua irmã mais nova, Katherine (Aisling Franciosi) que na época de sua prisão tinha apenas 5 anos de idade. A menina fora adotada por uma família e cresceu sem lembrar da existência da irmã e dos acontecimentos que levaram à sua prisão. Ao ser libertada, Ruth precisa lidar com o julgamento de toda uma sociedade que não aceita a sua reabilitação, além de sofrer com ameaças dos filhos do policial morto, que querem vingança pelo crime cometido.

O filme usa de um recurso bastante batido pra tentar emplacar a sua reviravolta: os flashbacks onde acompanhamos apenas fragmentos dos acontecimentos passados, que vão se completando à medida em que a história se desenrola. Um olhar mais atento já percebe a grande revelação do final no primeiro momento em que isso acontece, com menos de 15 minutos de filme. Toda a construção é muito óbvia, mas isso não configuraria necessariamente um problema caso houvesse mais a se tirar da obra. Porém, se tirarmos o “plot twist” o que é que sobra?

A princípio sobra uma proposta realista até interessante ao abordar os desafios enfrentados por uma ex-presidiária ao tentar se reinserir na sociedade após cumprir a sua pena. Todo esse arco vivido por Ruth, na busca por trabalho ou por conseguir se relacionar amorosamente é bastante interessante e gera bons momentos. A diretora Nora Fingscheidt adota uma estética crua que lembra bastante obras como “O Lutador” (2008) ou os recentes “Nomadland” e “O Som do Silêncio” (2020). Os momentos de Ruth e Blake (Bernthal) são exemplos de quando o filme acerta a mão e toca por denunciar as consequências menos óbvias de uma condenação. A liberdade tão idealizada em filmes que se passam dentro de prisões é desconstruída. Mesmo após a soltura, os personagens continuam não sendo livres.

Porém, esse contexto interessante é utilizado apenas como um assessório numa tentativa malsucedida de potencializar o verdadeiro objetivo do filme: impactar com as reviravoltas finais. O plot twist, ao invés de tornar as coisas mais interessantes acaba esvaziando toda a construção da protagonista. Explico: sabemos que existe um grande preconceito contra pessoas que cometeram crimes, cumpriram suas penas e estão tentando reconstruir suas vidas. “Imperdoável”, em seus dois primeiros atos, encampa bem a ideia de expor as dificuldades de uma dessas pessoas, ao mesmo tempo que faz o expectador sentir por ela empatia. Isso se dá também por conta do ótimo trabalho feito por Bullock no papel. Depois de problematizar e começar a desconstruir a ideia de que pessoas que cometeram crimes não merecem uma segunda chance, a revelação do final coloca tudo a perder. Ruth não é mais alguém que errou e precisa se reabilitar. Ela é agora uma vítima em todos os sentidos. Essa mulher cheia de contradições, com quem se estabelece uma identificação, se torna de uma hora para outra desinteressante e há um efeito reverso em tudo o que o filme havia construído até então. A ideia que fica (reforçada pelas palavras da personagem vivida por Viola Davis) é de que Ruth só merece empatia pelo fato de ser inocente.

E pior, em nome de criar no final um momento de tensão se cria uma imensa barriga. Todo o arco dos irmãos Whelan (vividos porcamente por Tom Guiry e Will Pullen) é totalmente descartável e problemático. As suas motivações para a vingança chegam a ser risíveis. Forçação de barra de um roteiro que está desesperado para oferecer o que os algoritmos mandam.

“Imperdoável” é uma grande oportunidade perdida. Boas ideias, um grande elenco e uma abordagem interessante são colocados de lado em prol de uma história que não se resolve. O resultado é um filme problemático, que reforça preconceitos e reduz motivações ao mesmo tempo em que não consegue nem surpreender, uma vez que entrega involuntariamente desde o início sua “grande sacada final”. Basta ter visto meia dúzia de filmes pra prever o que iria acontecer. Surpresa seria se todo esse amontoado de questões mal resolvidas acabasse em coisa boa.

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