Drama da Netflix com Sandra Bullock sacrifica boas ideias em prol de um plot twist nada surpreendente. Mirou no Oscar e acertou no esquecimento.
Por Thiago Beranger.
Existe hoje uma ideia curiosa que percebemos manifestada nas redes sociais: a valorização dos chamados “filmes de plot twist”. Nossa, como eles são queridos. As pessoas buscam cada vez mais esse tipo de narrativas e os serviços de streaming não perdem tempo em entregar. O “plot twist” obviamente não é nenhuma novidade dentro da arte cinematográfica. Aliás, ele precede o próprio cinema, uma vez que é um dispositivo narrativo muito empregado em outras artes como teatro e literatura. Quando bem feito, ele tem o poder de ressignificar toda uma história, fazendo com que ela ganhe novos contornos e cores em uma segunda assistida, por exemplo. Quando mal empregado é um truque vazio e rasteiro, que pode até funcionar como um estímulo mais imediato, mas que perde força assim que o filme acaba. “Imperdoável”, novo lançamento da Netflix protagonizado por Sandra Bullock se enquadra no segundo caso.
A atriz interpreta Ruth, uma mulher condenada por ter matado um policial. Após cumprir 20 anos de pena, ela consegue a liberdade condicional por bom comportamento e sai em busca de reconstruir sua vida, tentando reencontrar a única família que possui: sua irmã mais nova, Katherine (Aisling Franciosi) que na época de sua prisão tinha apenas 5 anos de idade. A menina fora adotada por uma família e cresceu sem lembrar da existência da irmã e dos acontecimentos que levaram à sua prisão. Ao ser libertada, Ruth precisa lidar com o julgamento de toda uma sociedade que não aceita a sua reabilitação, além de sofrer com ameaças dos filhos do policial morto, que querem vingança pelo crime cometido.
O filme usa de um recurso bastante batido pra tentar emplacar a sua reviravolta: os flashbacks onde acompanhamos apenas fragmentos dos acontecimentos passados, que vão se completando à medida em que a história se desenrola. Um olhar mais atento já percebe a grande revelação do final no primeiro momento em que isso acontece, com menos de 15 minutos de filme. Toda a construção é muito óbvia, mas isso não configuraria necessariamente um problema caso houvesse mais a se tirar da obra. Porém, se tirarmos o “plot twist” o que é que sobra?
A princípio sobra uma proposta realista até interessante ao abordar os desafios enfrentados por uma ex-presidiária ao tentar se reinserir na sociedade após cumprir a sua pena. Todo esse arco vivido por Ruth, na busca por trabalho ou por conseguir se relacionar amorosamente é bastante interessante e gera bons momentos. A diretora Nora Fingscheidt adota uma estética crua que lembra bastante obras como “O Lutador” (2008) ou os recentes “Nomadland” e “O Som do Silêncio” (2020). Os momentos de Ruth e Blake (Bernthal) são exemplos de quando o filme acerta a mão e toca por denunciar as consequências menos óbvias de uma condenação. A liberdade tão idealizada em filmes que se passam dentro de prisões é desconstruída. Mesmo após a soltura, os personagens continuam não sendo livres.
Porém, esse contexto interessante é utilizado apenas como um assessório numa tentativa malsucedida de potencializar o verdadeiro objetivo do filme: impactar com as reviravoltas finais. O plot twist, ao invés de tornar as coisas mais interessantes acaba esvaziando toda a construção da protagonista. Explico: sabemos que existe um grande preconceito contra pessoas que cometeram crimes, cumpriram suas penas e estão tentando reconstruir suas vidas. “Imperdoável”, em seus dois primeiros atos, encampa bem a ideia de expor as dificuldades de uma dessas pessoas, ao mesmo tempo que faz o expectador sentir por ela empatia. Isso se dá também por conta do ótimo trabalho feito por Bullock no papel. Depois de problematizar e começar a desconstruir a ideia de que pessoas que cometeram crimes não merecem uma segunda chance, a revelação do final coloca tudo a perder. Ruth não é mais alguém que errou e precisa se reabilitar. Ela é agora uma vítima em todos os sentidos. Essa mulher cheia de contradições, com quem se estabelece uma identificação, se torna de uma hora para outra desinteressante e há um efeito reverso em tudo o que o filme havia construído até então. A ideia que fica (reforçada pelas palavras da personagem vivida por Viola Davis) é de que Ruth só merece empatia pelo fato de ser inocente.
E pior, em nome de criar no final um momento de tensão se cria uma imensa barriga. Todo o arco dos irmãos Whelan (vividos porcamente por Tom Guiry e Will Pullen) é totalmente descartável e problemático. As suas motivações para a vingança chegam a ser risíveis. Forçação de barra de um roteiro que está desesperado para oferecer o que os algoritmos mandam.
“Imperdoável” é uma grande oportunidade perdida. Boas ideias, um grande elenco e uma abordagem interessante são colocados de lado em prol de uma história que não se resolve. O resultado é um filme problemático, que reforça preconceitos e reduz motivações ao mesmo tempo em que não consegue nem surpreender, uma vez que entrega involuntariamente desde o início sua “grande sacada final”. Basta ter visto meia dúzia de filmes pra prever o que iria acontecer. Surpresa seria se todo esse amontoado de questões mal resolvidas acabasse em coisa boa.
Publicitário que escreve sobre cinema desde 2020. Colabora como crítico no site Cinema com Crítica.