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Matrix Resurrections

Matrix Resurections

148 minutos

Lana Wachowski escreve e dirige um dos melhores romances do ano, em um filme que dá aula de como fazer fan service sem ser se tornar bobo ou vazio.

Por Thiago Beranger.

Nos últimos anos estamos passando por uma crise criativa no cinema hollywoodiano. Virou senso comum buscar fazer dinheiro com remakes, live actions de animações e franquias adaptadas de quadrinhos. Poucos filmes originais tem recebido grandes investimentos dos estúdios. Não que isso seja novidade, Hollywood sempre teve o costume de recauchutar suas histórias, apelando para o senso nostálgico e lucrando sem correr riscos. No momento, essa característica só está um pouco mais acentuada. Matrix (1999) tenha sido talvez a última história original para o cinema que acabou se tornando um fenômeno cultural e uma grande franquia. É interessante ver hoje essa narrativa que fora revolucionária em sua época, retornar 18 anos depois do lançamento de Matrix Revolutions (2003) imersa em um cenário tão pouco fértil para ideias originais. Mas o que falou mais alto em Matrix Resurections? A necessidade de forçar a mão em uma continuação para lucrar em cima da nostalgia ou efetivamente uma boa ideia que dê sentido ao retorno?

Bom, até para responder é interessante antes dar uma contextualizada na sinopse. O filme se passa em uma realidade onde Neo (Keanu Reeves) está de volta à Matrix como Thomas Anderson, só que dessa vez ele é um influente game designer, responsável por criar uma revolucionária e exitosa trilogia de games que se chama, vejam só, Matrix. Nessa realidade os acontecimentos dos três filmes anteriores compõe a história dos jogos e Neo é forçado a desenvolver um quarto título para a franquia a mando de seu sócio majoritário (vivido por Jonathan Groff). Por conta disso, o personagem passa a sofrer de surtos alucinatórios, buscando tratamento com seu habitual analista (Neil Patrick Harris). Quando novos (e velhos) amigos surgem do mundo exterior para o tirar mais uma vez do simulacro, “O Escolhido” precisa fazer escolhas que lhe soam familiares, mas dessa vez isso significaria abrir mão de alguém muito importante do seu passado.

Keanu Reeves e Carrie Ann Moss estão de volta como Neo e Trinity.

Dá pra perceber pela própria sinopse que a diretora e roteirista Lana Wachowski tem total consciência da discussão a respeito da tendência do cinema atual em forçar continuações e franquias. Lana inteligentemente incorpora isso à sua narrativa, construindo um primeiro ato inteiramente baseado em metalinguagem. As referências e fan services aparecem basicamente como comentários acerca de toda essa conjuntura, enquanto Thomas Anderson e a equipe criativa de seu estúdio de games fazem um brainstorm para definir como será o tão aguardado quarto jogo. Aparece de tudo um pouco. É divertido assistir a esses personagens discutindo, afinal, “do que se trata Matrix”. É uma crítica ao capitalismo? Um filme sobre a experiência trans? Um tratado filosófico? Ação estilosa sem sentido e bullet time? Aparentemente essa é uma resposta que não interessa a Lana, porque Neo – que de certa forma a representa dentro da narrativa – também não parece nada interessado na discussão. Muito pelo contrário, essa é, para o personagem, uma discussão infrutífera e até torturante. O sucesso fez com que Matrix fosse dissecado por uma racionalidade que buscava na história significados. Mas nem tudo em Matrix é só 1 ou 0, muito pelo contrário, a alma da trilogia original não está em nenhuma dessas temáticas. Matrix, no final das contas, é uma grande história de amor. Mas vamos chegar lá…

Antes disso, é interessante também observar como a diretora constrói visualmente o seu universo dessa vez. Os mais observadores vão se lembrar que na trilogia original existia um aspecto visual muito marcante que denunciava a farsa da Matrix. Sempre que se passavam dentro do simulacro havia um filtro verde que dava às cenas um tom artificial, ao mesmo tempo que oferecia à imagem quase que uma viscosidade. Uma aparência tóxica e opressiva que reforçava a temática trabalhada nos filmes. Em Resurrections isso é deixado de lado. O verde até está lá em diversos elementos cênicos, mas agora divide a tela com cores alegres e muita luz, o que já tinha aparecido como vislumbre na última cena de Revolutions (2003). Contudo, a artificialidade se mantém. É quase como se tudo fosse perfeito demais para ser verdade. Há uma textura nas imagens que remete às animações hiper-realistas dos games mais atuais. Essa escolha funciona em duas instâncias. A primeira, mais óbvia, remete à própria referência aos jogos eletrônicos trabalhada no primeiro ato. A segunda, que só percebemos bem mais adiante, é que a Matrix evoluiu. Dessa forma, deixa de fazer sentido que haja algo tão marcante quanto o filtro verde. A sofisticação agora é tamanha que o simulacro não é mais opressivo e sim convidativo. Os seres humanos tem muito mais dificuldades de se libertarem porque essa Matrix 2.0 é um lugar onde a beleza do mundo real é emulada em toda sua potência.

A beleza da nova Matrix.

Então, temos uma Matrix feia e opressiva que dá lugar a uma Matrix bela e convidativa, apesar de igualmente artificial. O agente Smith carrancudo de Hugo Weaving dá lugar ao Smith 2.0 galã de Jonathan Groff. O espaço claustrofóbico do escritório de Thomas Anderson em 1999 dá lugar a uma sala ampla, com grandes janelas em 2021. Há nessas diferenças de representação uma questão substancial. Ora, se a alma da obra das Wachowskis é o amor, faz sentido que a própria Matrix aprenda a lidar com isso. Que incorpore a beleza para que a humanidade lute não mais para escapar, mas para ficar presa. Se o amor libertou Neo em 1999, em 2021 é o que o aprisiona. Trinity (Carrie Ann Moss) é a personificação disso. O próprio Analista (o grande vilão da trama) assume sua estratégia em diálogo com o protagonista. Neo e Trinity não possuem absolutamente nada de especial quando estão separados, porém quando estão juntos são um perigo. O jeito é então mantê-los a uma distância segura, para que sempre se atraiam sem se encostarem. É criar para Trinity a ilusão de uma família, esperando que isso a mantenha adormecida em um roteiro predefinido do que “deveria “ser a vida de uma mulher.

O amor portanto é a chave para experienciar Matrix. E o que há de mais clichê e poderoso no cinema do que uma boa história de amor? Na tentativa de racionalizar e entender o que é Matrix, se perde o mais importante: a capacidade de sentir. O que move a trama é a força desse romance. Tudo mais é acessório, pretexto para que a história evolua. Para que haja o encontro dessas duas forças tão poderosas, que juntas são capazes de revolucionar o mundo. Até o Morpheus genérico de Yahya Abdul-Mateen II vira um instrumento que o próprio Neo inconscientemente utiliza para reencontrar sua amada. Bugs (Jessica Henwick), sua tripulação, a agora general Niobe (Jada Pinkett Smith), a cidade de Io, os robôs, as inteligências artificiais, as naves, o kung fu. Enfim, tudo em Resurections tem sua própria história e complexidade, mas diante da força do romance de Neo e Trinity se torna acessório na narrativa. O que importa é o encontro e quando ele acontece revoluciona mais uma vez. A Matrix deixa de ser prisão e se torna parque de diversões. Um mundo de possibilidades que pode ser pintado de arco-íris se os dois quiserem. O amor encontra o seu caminho. E o cinema também.

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