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Moonfall: Ameaça Lunar

Moonfall: Ameaça Lunar

120 minutos

Em mais um filme catástrofe, Roland Emmerich discute valores familiares e promove uma desastrada redenção do negacionismo.

Por Thiago Beranger.

Vivemos em um tempo em que ideias consideradas absurdas estão sendo resgatadas e tratadas como verdade. É a era do terraplanismo, dos antivax, das teorias da conspiração, do neonazismo. Ambiente fértil para que a desinformação e o anticientificismo se espalhem e contaminem muita gente. Muito se tem dito a esse respeito em diversas áreas. Hoje a filosofia, a teoria da comunicação, a ciência política, a sociologia e outras diversas vertentes do pensamento humano se dedicam a estudar pra procurar entender esse fenômeno absolutamente contemporâneo e reacionário, mas por algum tempo todas essas distorções foram subestimadas e tratadas como chacota. Até o momento em que nos vimos diante de uma realidade absolutamente assustadora, esses movimentos não eram levados muito a sério.

O diretor Roland Emmerich, que há algum tempo se especializou em realizar filmes de catástrofe, resolve em seu novo trabalho elevar até as últimas consequências uma dessas teorias absurdas aparentemente inocentes. Nesse processo, duas possibilidades se revelam: o filme pode ser encarado como um uma espécie de “what if” satírico (e se uma desses absurdos fosse verdade…) ou pode ser encarado como uma redenção apoteótica da figura do teórico da conspiração, que ganha contornos heroicos por aqui.

Alguém contou quantas vezes essa torre foi destruída no cinema?

A teoria presente em “Moonfall: Ameaça Lunar”, que diga-se de passagem também existe no mundo real, é a de que a Lua seria na verdade uma “megaestrutura” artificial, criada por uma raça alienígena para orbitar o planeta Terra. No filme, um pseudocientista (John Bradley) adepto dessa teoria percebe que a órbita da lua sofreu uma alteração, fazendo com que o satélite vá se aproximando da Terra até colidir em menos de 3 semanas. Após ser descredibilizado por todos a quem procura pra revelar sua descoberta, ele encontra um ex-astronauta frustrado (Patrick Wilson) que o ajuda a ser levado a sério e a tentar, junto à NASA, salvar o planeta.

Quando eu mencionei que Roland Emmerich já tem se tornado um especialista nesse tipo de produção, eu me referia ao seu trabalho à frente de obras como “Independence Day” (tanto o de 1996 quanto o de 2016), “O Dia Depois de Amanhã” (2004) ou o famigerado “2012” (que pasmem, foi lançado em 2009). Em todos esses trabalhos o realizador acaba com o mundo de formas cada vez mais estapafúrdias. Seja através de uma invasão alienígena, da intensificação dos efeitos do aquecimento global ou do cumprimento de uma profecia Maia, Emmerich efetiva seu fetiche quase patológico pelo apocalipse sempre se utilizando de efeitos especiais computadorizados de última geração. Nesse sentido, é até divertido acompanhar a construção visual das catástrofes, ainda que muita coisa acabe ficando parecida (principalmente na comparação entre “2012” e “Moonfall”).

O mundo em destruição de Emmerich.

O longa de 2022 faz questão de ser o mais absurdo de todos, pelo menos na minha visão. Isso porque segue justamente a lógica do que conversávamos há pouco, de oferecer uma visão do que seria uma dessas teorias da conspiração trazida a um patamar extremo. Pra isso, a narrativa dá voz a setores complicados. O simpático personagem de John Bradley não deixa de ser um desses negacionistas que temos criticado tanto por aí. O carisma inegável do ator e esse retrato dele como um cara legal e extremamente inteligente, mas que não é levado a sério por quem o cerca acaba escondendo os fatos de que ele comete falsidade ideológica ao se passar por um respeitado professor para roubar informações confidenciais, se apresenta como “doutor” mesmo sem nenhuma formação acadêmica e é adepto, junto a seus amigos, de uma teoria tão ridícula quanto o terraplanismo.

Não que o cinema não possa extrapolar a realidade e estabelecer paradigmas inverossímeis dentro de suas narrativas. Os leitores que acompanham os meus textos sabem inclusive da defesa que faço dos gêneros fantásticos. Não é isso. É tudo uma questão de contexto. “Moonfall” estreia em um momento da pandemia da COVID-19 em que a maior das questões debatidas na sociedade é o anticientificismo e seu impacto nas questões de saúde pública. Ainda que K.C. Houseman (o tal personagem) não expresse nenhuma opinião nesse sentido, sua figura representa ainda assim esse tipo de pensamento. Ao dar razão a uma teoria conspiracionista de forma acintosa, Emmerich não deixa de cutucar esse vespeiro. Em diversos momentos isso pode até aparecer de forma um tanto quanto jocosa, sinalizando uma possível ironia. Mas, mesmo assim, o personagem que representa essa lógica dentro da narrativa é alçado à posição de herói que salva todo o planeta. O diretor, com isso, promove uma grande redenção para o negacionismo. Dessa forma, o que seria inocente e até simpático em outro momento, soa atualmente no mínimo questionável. E isso vindo logo de um criador que é um notório defensor do meio ambiente.

Fofo o John Bradley, né? Pena que interpreta um teórico da conspiração.

Não deixa de ser engraçado e até providencial que esse filme seja lançado pouco tempo depois de “Não Olhe Para Cima”. Lá o diretor Adam McKay trilha o caminho contrário, ao colocar a ciência como refém do negacionismo em uma situação bastante parecida. Não há redenção. Aliás, com o perdão do spoiler (não leia a próxima frase se não tiver visto o filme), o mundo efetivamente acaba por culpa de gente como o K.C. que aqui figura como salvador.

Mas nem tudo é só destruição e teorias da conspiração em “Moonfall”. Como sempre o diretor utiliza-se desse pano de fundo para tecer dramas até simples, que passam por questões familiares. Em “Moonfall” isso sobra. É a destruição do mundo que serve como restauração de relações entre pais e filhos, marido e mulher, irmãs e irmãos… Os valores de preservação familiar se chocam e entram em contraste com o cenário cataclísmico vivido pelos personagens. No fim, o filme segue uma estrutura bastante conservadora e piegas. Tirando todo o espetáculo visual e o senso de humor que vez ou outra acerta o tom, nada é diferente ou interessante. Só mais um dia em que o mundo (quase) acaba. E já tivemos muitos desses na história do cinema.

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