Já cansei de ler textos criticando Hong Sang-soo por ser o artista que é, autor de um cinema da repetição, não apenas dentro de um mesmo filme, mas entre os filmes de sua filmografia, e de um não cinema, pois eliminar ou minimiza a narrativa ao mínimo perceptível para que transpire. Isto não torna seus filme piores e somente ressalta quem é este diretor sul-coreano, que acumula múltiplos departamentos cinematográficos, e como pensa cinema. E este seu trabalho recicla situações, personagens e motivações já vistas para quem é familiarizado com a sua obra, empregando-os como uma forma de discutir o ato de produzir arte, até como direito de resposta a quem critica seu trabalho.
Esta dramédia acompanha a reunião da escritora Junhee (Hyeyoung), que há muito não publica um livro, com alguns conhecidos: uma ex-colega que desistiu de escrever para se dedicar a uma livraria (Younghwa), um diretor de cinema contratado para adaptar sua obra (Haehyo), uma atriz de cinema que decide aceitar o convite para estrelar em seu primeiro curta-metragem (interpretada pela atriz fetiche do diretor Kim Minhee). Sang-soo enfatiza o artista e o processo artístico em dimensões plurais e com a simplicidade que lhe é característica. Na tentativa de questiona o ofício, o diretor utiliza Junhee como um avatar através da autorreflexão tortuosa de uma mulher ciente de que pode escrever de olhos fechados, mas que não sente mais o prazer em fazê-lo.
O 27º longa-metragem do prolífico diretor sul-coreano – também roteirista, montador, diretor de fotografia, compositor, editor de som e produtor – é munição para os críticos de sua obra, que insistirão no enfado provocado pela repetição. Já eu percebo a maturidade de Sang-soo em critica a si mesmo, como artista, enquanto conserva o desejo patológico, eu diria, de encenar e reencenar os mesmos temas, de formas semelhantes embora não idênticas, com os mesmos atores, e mesmo assim, produzir algo diverso do que o que havia apresentado.
Os encontros fortuitos, o caráter cíclico de sua obra que se envolve em torno dela mesma e a metalinguagem são armas que Sang-soo utiliza, enquanto revisita encontros no restaurante ou uma rodada de bebida interminável. Porém, com um quê a mais, há um humor bem-vindo e até inesperado pela intensidade (com direito até mesmo a cena pós-créditos), há o discurso do momento em que o artista deve se reinventar e o que move o processo criativo, há ainda a sublimação da expressão do preto & branco que caracteriza a obra mais recente do diretor e que encontra um contraponto para responder que Sang-soo só parece ser o mesmo sempre.
É que suas mudanças são sutis, na mesma medida de um cinema discreto e envolventemente simples.
Crítica publicada durante a cobertura do 72º Festival de Berlim
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.