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Ainda Estou Aqui

Ainda Estou Aqui

117 minutos

Um romance adolescente clichê

Joey King é uma jovem atriz que precisa aprender a escolher melhor os romances, cômicos ou dramáticos, que protagoniza. Aparentemente progressistas, embora extremamente conservadores, estes filmes trazem a atriz como uma adolescente empoderada e independente, porém a ponto de abdicar da liberdade (A Barraca do Beijo) ou da vida (Ainda Estou Aqui) em razão da alma gêmea ou do amor verdadeiro. É uma pegadinha que fisga o público-alvo com a promessa de histórias melosas e inconsequentes, inclusive trágicas, com a ilusão (até certo ponto preocupante) de que histórias de amor exigem sacrifícios de carne ao invés de concessões. A base de um romance adolescente clichê.

Ainda Estou Aqui inicia com a morte de Skylar (Allen), cujas circunstâncias serão descobertas no momento adequado, e a internação de Tessa (King) para realizar uma cirurgia de emergência a fim de remendar o coração partido. Não é brincadeira, o roteiro de Marc Klein (de Escrito nas Estrelas e Um Bom Ano) acreditou que era uma ideia criativa tornar literal o coração partido da metáfora. É só a primeira dentre muitas más decisões, enquanto narra o luto de Tess e a crença de que está sendo visitada pelo espírito de Skylar. Uma expert em vida depois da morte, convenientemente internada no mesmo hospital que Tess, afirma que a adolescente tem uma janela de tempo para comunicar-se com o amado antes de este partir para sempre.

The In Between' (2022) Movie Ending Explained - SpikyTV
A sala vermelha onde Tess revela suas fotografias

Curiosamente, Ainda Estou Aqui é dirigido por Arie Posin (de Uma Nova Chance para Amar), que, tal como o roteirista, é um homem com mais de 50 anos de idade tentando entender os sentimentos e angústias atravessados por uma adolescente analógica em um mundo digital. Sim, o roteiro manda isto como mais um dos clichês que rodeiam a narrativa: Tess é o estereótipo de jovem considerada quebrada em razão de morar com pais adotivos – o destino dos pais biológicos é revelado –, de ter desenvolvido a sensibilidade fotográfica que a leva a subtrair o indivíduo, em favor de paisagens, e de frequentar sozinha o cinema de rua para assistir a romances melancólicos franceses.

Para o roteiro, apenas resta aparecer na vida dela um adolescente como Skylar e pronto, a química está perfeita. Um atleta aparentemente sem defeitos, reflexivo enquanto caminha a sós na praia ou sensível por entender francês, além de aberto a participar da vida dela e convidá-la para participar na dele. Este pedaço do mau caminho só pode ser a alma gêmea de Tess e ainda por cima é altruísta, pois, ao invés de aproveitar e correr em direção à luz, resolve ajudar Tess a encarar e expiar a culpa sentida, nem que isto coloque em risco o bem-estar da amada. É o momento para falar de Shannon (O’Connor), a chance de a produção marcar a caixinha de mais um clichê, a melhor amiga negra, que é dona do diálogo mais problemático da narrativa. Após quase morrer, Shannon acha que é de bom tom falar em voz alta que quer também um namorado morto.

Ainda Estou Aqui (The In Between) - Elenco e Atores
O namorado perfeito. Será mesmo?

Além de mandar mal nos diálogos, como quando Tess lamenta não ter dito a Skylar que o amava, o roteiro cria personagens unidimensionais: a professora de fotografia parabeniza o trabalho de Tess, embora aponte faltarem pessoas na imagem, o que é um contrassenso pois ignora a arte abstrata ou a natureza morta; ou os pais adotivos que tentam aproximarem-se, mas não conseguem, de Tess. Há decisões questionáveis acompanhadas de furos – como Shannon julgar ser uma boa ideia retirar a amiga do hospital mesmo que a cirurgia esteja agendada para a manhã seguinte – e o embaraçoso momento em que Tess defende apontar a lente além de si, e praticamos entendemos que a narrativa é uma forma de a adolescente aprender a apontar a lente para dentro.

O conceito visual não é menos clichê do que o restante: a fotografia padroniza o ontem através de cores quentes, e o hoje, após o acidente, em cores de baixa saturação sob a paleta de cores azulada de significado inerente. O azul faz-se presente como um tema visual da tristeza, em contraste com o vermelho do boné de Skylar, que chamou a atenção de Tess na praia, da sala escura de revelação de fotografia – a paixão de Tess – do jipe herdado ou do interior do barco onde o casal passa uma tarde agradável. Pode parecer eficaz, do ponto de vista estético, mas a utilização do azul e do vermelho ou de cores saturadas e dessasturadas são decisões acadêmicas iguais às referências utilizadas por Arie Posin.

The In Between' Review: Joey King's Post-'Kissing Booth' Romance Is  (Another) 'Ghost' Ripoff for Gen Z - RESO
O vermelho está presente nos momentos românticos

Detrás de Tess, no interior do cinema de rua, o pôster de Ghost: Do Outro Lado da Vida, e para quê a adolescente é contratada no verão se não parece haver nenhum espectador? Já, momentos antes do acidente, o letreiro revela o título de Night of the Accident sobre o de Titanic, e, bem, sequer preciso comentar. A estrutura que vai e vem no tempo é preguiçosa, revelando o começo do relacionamento até o dia fatídico, enquanto a regra que rege a atuação de Skyler no além da vida é mal desenvolvida no roteiro, dando ao fantasma / espírito superpoderes que só levam à pergunta: por que Skylar não adotou um modo simples de comunicar o que desejava comunicar a Tess em vez de prejudica-la no exame para admissão na faculdade ou mesmo colocar em risco a sua vida e a de sua melhor amiga?

A resposta existe na cabeça de dois marmanjos de 50 anos, carentes de empatia ou sensibilidade para entender o que passa na cabeça de uma adolescente apaixonada. Que com certeza não é o que é mostrado em Ainda Estou Aqui.

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