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Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

126 minutos

Você é feliz? Reflita sobre isto na crítica com spoilers.

“Você está feliz?” é a pergunta recorrente que escuta Stephen Strange em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Detrás da elegante simplicidade desta questão, está a filosofia por que podemos analisar a sequência da aventura de 2016, da série WandaVision e de Homem-Aranha: De Volta para Casa. Felicidade e super-heroísmo são compatíveis? Não, dado o exemplo do Universo Cinematográfico Marvel: Tony Stark abriu mão de permanecer com a família para sacrificar-se em Vingadores: Ultimato; Steve Rogers só pôde encontrar a felicidade quando voltou no tempo e aposentou o escudo de Capitão América. E mesmo se pensarmos fora do MCU, veremos que o Batman de Christian Bale precisou “morrercomo herói para ser feliz como Bruce Wayne. 

A incompatibilidade da felicidade e do super-heroísmo é consequência do idealismo romântico da literatura, de onde derivam as histórias de pessoas ou seres dotados de superpoderes que sacrificam a chance de vivenciar a vida comum das pessoas médias para que estas sejam felizes. Então, se Stephen precisa assistir a Christine (McAdams) ser feliz casada com outro homem, pois optou por ser o herói que é, não é absurdo imaginar que, após perder todas as pessoas que amou (o irmão Pietro, Visão e os filhos ilusórios criados em WandaVision), Wanda decida deixar de ser a heroína para ser a vilã Feiticeira Escarlate. Quem sabe a chance de ser feliz é possível, nem que para tanto precise roubar o superpoder de America Chavez (Gomez), uma adolescente capaz de abrir portais entre no multiverso e que havia sofrido uma tentativa de assassinato por um Doutor Estranho alternativo, ao entender que seu sacrifício era a forma de salvar o multiverso do demônio que a perseguia. 

Por conta de decisões iguais a essa, que demandam sacrifício em favor do bem maior, os super-heróis apenas encontram a felicidade na aposentadoria ou na morte. E o maior mérito do filme dirigido por Sam Raimi é aproveitar a faísca dramática existente no conflito de Stephen e Wanda, faltosa noutros momentos. Raimi havia alcançado algo parecido em Homem-Aranha 2, quando Peter Parker perdeu superpoderes em função da depressão e/ou ansiedade e pôde ser feliz, dedicando-se à vida acadêmica, romântica e familiar que tinha sonhado para si. Até que a responsabilidade mordeu-lhe como uma aranha radioativa de volta à realidade do heroísmo. Ao explorar esse aspecto dramático da jornada do herói, Doutor Estranho se diferencia dos filmes mais recentes do estúdio, mais preocupados em introduzir referências sem que estas sirvam à narrativa, mas a promessas de narrativas futuras. 

Perceba, por exemplo, a diferença que há entre a recompensa emocional do encontro de Wanda com os Illuminati com a que há no sacrifício de Wanda, ao perceber o que deve fazer. Se neste, sentimos o peso proporcionado pelo envolvimento do espectador na história da personagem – ao longo da série de filmes -, naquele há o choque em testemunhar a morte de atores e/ou personagens famosos, embora não tenhamos qualquer mínima relação construída com quem está somente de passagem. O mesmo peso dramático é nulo quando Wanda destrói Kamar-Taj se comparado com o instante em que arrasta a perna coberta de sangue para matar o Professor Xavier, único dentro o fanservice a proporcionar, nos minutos que tem à disposição, o caráter generoso e agregador e a estratégia que envolve sacrificar-se para ganhar tempo. 

E é curioso que, apesar de o título ser Doutor Estranho, seja Wanda quem tenha a melhor fatia do bolo. A um pois a atuação de Elizabeth Olsen evita a armadilha que o roteiro preparou à personagem, a de ser o estereótipo da “mulher histérica”; a dois porque o roteiro proporciona o momento terapêutico de reconciliação com o trauma no passado no simbolismo afetuoso do toque entre Wandas. Um instante mais poderoso do que o heroísmo raso do Doutor Estranho ao desistir do plano de sacrificar America Chavez, “largar a faca e dá-la a heroína adolescente. Aliás, se Wanda ou Stephen têm oportunidades acentuadas pelo domínio dos personagens, o mesmo não pode ser dito à unidimensional America. 

Com relação à promessa de este ser o primeiro filme de terror da Marvel, bem, isto está apenas na intenção. Apesar de Sam Raimi ter experiência no gênero, há pouco que pode fazer senão apresentar monstros, espíritos e demônios – uns parecidos em design e função com o Marshmallow de Frozen, jornada que tem alguma semelhança com a de Wanda – ou encenar uma cena que remete a filmes de casa mal assombrada. Nada que chegue aos pés, a título de comparação, com Homem-Aranha 2, quando Octopus está desacordado e os seus tentáculos matam, um a um, com requintes de crueldade, os médicos que tentam separá-los. Enquanto isso, as cenas de ação são razoáveis e se valem, ainda que não na potência máxima, da liberdade que a temática e o multiverso proporcionam – como assistir ao cadáver do Doutor Estranho lutando assistido por espíritos sombrios ou à luta entre Doutores Estranho vista por notas musicais, um efeito formalmente intrigante, cuja ingenuidade pareça ausente na maioria de aventuras de super-heróis. 

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é o reflexo de onde um super-herói pode chegar em busca da felicidade, ainda que ilusória ou pervertida, pois Wanda, ao roubar de outra Wanda a maternidade que tanto desejava, só criaria cópias infinitas de seu trauma da mesma maneira que o Darkhold multiplica-se sem poder ser contido pela promessa do livro antagônico da bondade. A alternativa? O sacrifício, a negação da chance de ser feliz ou, talvez, a felicidade por que tanto buscam os super-heróis seja a de ser transformado em estátua, símbolo para a humanidade.

Ou ter o rosto estampado em uma lancheira infantil. 

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