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Emergência

Emergência

105 minutos

Adaptado a partir de curta-metragem premiado, Emergência revela medo e preconceito em razão da cor da pele.

Sean (RJ Cyler) e Kunle (Donald Elise Watkins) desejam ser os primeiros negros a participar de uma noitada lendária que envolve a participação em festas de sete fraternidades. Com convites em mão, o plano da dupla é interrompido quando encontram uma jovem mulher branca, menor de idade, desmaiada no chão da sala da casa dividida com o latino Carlos (Sebastian Chacon). O receio de ligar para a emergência, em razão de desconhecerem como a polícia americana agiria nesta situação, faz com que o trio decida levar a garota ao hospital, mas a bordo de um carro com a lanterna traseira quebrada – caso parados pela polícia, o que esta pensaria antes de disparar contra o trio? Esta história de Emergência expande a apresentada no curta de 12 minutos, exibido e premiado no Festival de Sundance de 2018, com a mesma dupla de diretor (Carey Williams) e roteirista (K. D. Dávila). 

O que o roteiro de Emergência provoca é um conjunto de situações-limite em que percebemos como os personagens, apesar de poderem agir de maneira diferente, não o fazem por medo do sistema racista que os envolve. Enquanto isso, Maddie (Sabrina Carpenter), Alice (Madison Thompson) e Rafael (Diego Abraham), os jovens brancos que partem em busca da irmã caçula daquela, perdem a capacidade de refletir com racionalidade em razão do julgamento motivado pela cor da pele. A cada desdobramento, o espectador vislumbra a oportunidade de que o trio tome a decisão correta, para então perceber que jamais poderia tomar esta decisão porque não está na sola dos sapatos de jovens que acreditam conhecer a experiência negra americana.

Sean e Kunle poderiam ter refletido a baixa probabilidade de serem parados em razão da lanterna traseira, mas preferem não arriscar e pegar emprestado o carro de um traficante local. Maddie – que insinua um interesse romântico por Kunle – prefere acreditar que três homens de cor teriam sequestrado a irmã caçula, do que crer que tentaram ajudá-la como acreditavam que podiam ter ajudado. O combustível das ações dos personagens é duplo: o medo do Estado que mata em razão da cor da pele de um lado, a discirminação racial do outro. Kunle tenta pensar de forma estatística, até experenciar o momento em que acredita tornar-se estatística; Maddie mal nota estar contaminada pela estrutura racista da sociedade até que isto seja esfregado na cara dela por quem acreditava ser branco, mas não é. Ao menos não aquele branco aceito nos Estados Unidos. 

O que começa com o pé nas comédias colegiais dos anos 80, desenvolve-se no surrealismo de onde beberam Corra! ou Desculpe te incomodar, pois o propósito de Emergência é denunciar que, ainda que quisessem, Sean e Kunle não poderiam ter a mesma experiência que jovens brancos tiveram antes. É onde está o êxito do roteiro escrito por K. D. Dávila: revelar como as decisões tomadas por Sean e Kunle diferenciam-se da decisão tomada pelo espectador porque existe um limite de empatia entre este e a tela de cinema. O roteiro é crítico ao inconformismo de sofá, em que percebemos a violência racial americana e nos sensibilizamos com ela, só até dizermos em voz alta que “era melhor não ter assim, mas assado”

Nesse sentido, a direção de Carey Williams é eficaz em adotar o tempo limitado – algumas horas naquela fatídica noite – como forma de aumentar a recompensa emocional do espectador em uma espécie de bomba relógio. A aproximação dos trios e da polícia, antes apenas mantida no pano de fundo até aparecer de maneira despersonalizada – não enxergamos os rostos dos policiais – é também uma decisão criativa que agiganta a apreensão de uma narrativa em que, a qualquer momento, o pior pode acontecer.
E se Emergência parece pecar é no desfecho mais otimista do que realista. Entendo a lógica do roteiro, relacionada à estatística apresentada por Kunle, e admiro certas decisões-chave da direção ilustrativas da submissão do homem negro e do aljemamento, mas não curto. Ou talvez seja mais uma evidência da crítica que o roteiro propõe pois, (spoilers adiante) ao possibilitar a soltura de Kunle e a atitude racional da polícia que pergunta antes de disparar, Emergência dá a chance de que seus personagens negros não sejam, como são no mundo real, só estatísticas cinematográficas para críticos, iguais a mim, que acreditam que o verossímil seja a tragédia.

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