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Glass Onion: Um Mistério Knives Out

Glass Onion: A Knives Out Mystery

139 minutos

Benoît Blanc está de volta para solucionar mais um mistério, embora menos afiado do que Entre Facas e Segredos

Além de conquistar a merecida indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original, Entre Facas e Segredos ainda criou um séquito de fãs fiéis de Benoît Blanc, o detetive interpretado por Daniel Craig, e revitalizou o prazer do espectador em assistir a whodunits que já havia sido alimentado dois anos antes por Kenneth Brannagh e a sua adaptação de O Assassinato no Expresso do Oriente. Contudo, Rian Johnson não estava só interessado em desmascarar o assassino (o who), mas no modo como este realizou o crime e pôde permanecer oculto (o how) e nas engrenagens cinematográficas que estimulam o espectador a participar da resolução do mistério, um quebra-cabeças cujas peças estão sobre a mesa embora não tenhamos a mesma malícia e percepção de Benoît. Tamanho sucesso levou a Netflix a dar carta branca ao diretor para criar duas continuações e ainda engordou a poupança de Daniel Craig com o cachê de $100 milhões de dólares. 

A primeira dessas sequências é Glass Onion: Um Mistério Knives Out (ah, esses horrorosos subtítulos brasileiros!), em que o bilionário Milen Bron (Edward Norton) convida seus amigos (ou deveria dizer “amigos”) para um final de semana na ilha remota onde habita. A influenciadora Birdie Jay (Kate Hudson, em uma versão contemporânea da Magda, de Sai de Baixo), o youtuber armamentista Duke Cody (Dave Bautista, ator de que gosto mais a cada filme) e sua namorada Whiskey (Madelyn Cline), a política Claire (Kathryn Hahn), o cientista Lionel (Leslie Odom Jr.) e a misteriosa Cassandra (Janelle Monáe). Benoît também é convidado para viajar ao encontro, sob a promessa de que terá um crime para desvendar. O detetive aceita na hora, pois, durante o período de isolamento do Covid-19, permaneceu em casa, enlouquecendo enquanto resolvia palavras cruzadas de jornal e jogos de mistério. 

Um dos aspectos de que gosto na sequência é como Rian Johnson desenvolve quem é Benoît além das nuances que havíamos percebido no original: a vida doméstica, a orientação sexual a partir da participação de um cameo inesperado e o desejo patológico de resolver mistérios e de restaurar ordem ao caos posterior ao cometimento de crimes. Neste aspecto, ainda que o mistério de Glass Onion seja confessadamente inferior ao do original – inclusive, Benoît afirma e reitera a estupidez do criminoso -, o roteiro não o é no esforço de subverter as expectativas do espectador e ser disruptivo. Novas perguntas são feitas além de quem e como cometeu o crime, mas quem será a vítima e por que está sendo cometido? 

A propósito, a disrupção está na essência do filme temática, no bordão de Milen Bron ou no fato de que aqueles reunidos atuam fora do sistema, e formalmente: Rian Johnson manipula o espectador adulterando a imagem, apresentado um acontecimento de maneira diferente a que havia sido apresentado antes ou introduzindo eventos sob ponto de vista diferente (se não cito exemplos é para os poupar de spoilers ou de pistas que farão você prestar atenção no que citei e perder a graça da brincadeira). Existe até o personagem que alerta o público para ignorá-lo. Mas, se a imagem ou a estrutura dos eventos é adulterada, como solucionar o crime? Rian sabe que aí está a pegadinha da comédia criminal, pois dependemos da genialidade de Benoît que colocará os pontos nos is no terceiro ato. Por este motivo, os personagens dirigem-se a Benoît como se estivessem quebrando a quarta parede, pois, na análise final, nada mais são do que duplos do espectador. 

Entretanto, diferente de Entre Facas e Segredos, Glass Onion perde fôlego quando apela ao flashback longuíssimo e esclarecedor no centro da trama para proporcionar informações e a releitura dos acontecimentos que não possuía. Apesar de indispensável à solução do mistério, o flashback quebra o ritmo da ação e exige uma retomada da narrativa que cria um engodo no centro da trama. 

Por outro lado, Rian Johnson diverte-se com a masculinidade frágil de Duke Cody, cuja arma na sunga é compensatória da genitália, ou de Milen Bron, enquadrando a sua cintura detrás da escultura de vidro de um pato (talvez de um ganso?), que simboliza a flacidez do sexo do personagem. Como gosto de Edward Norton. O ator é a cereja do bolo da comédia, com a oportunidade de revisitar o Narrador de Clube da Luta (no quadro da parede), brincar de ser Steve Jobs e até mesmo de ser cosplay do personagem de Tom Cruise em Magnólia, um guru sexual que ensinava os homens a dominarem as mulheres. Esta encenação é apropriada para a narrativa introduzir um vilão burro, embora se julgue inteligente e esperto, realizando a metáfora que há no título. 

Pois uma cebola de vidro é o objeto contraditório cuja verdade transparece em seu centro e não exige qualquer esforço em retirar as camadas para chegarmos nela. O problema é que, com um diretor com domínio pleno e irrestrito de como manipular o olhar e a percepção do espectador, precisamos da ajuda de um Benoît Blanc para mostrar onde está o óbvio nesta divertida continuação.

Glass Onion estreia em dezembro na Netflix.

Filme assistido no 47º Festival Internacional de Toronto

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