Shekar Khapur retorna aos longas-metragens depois de 15 anos com comédia romântica sobre a cultura paquistanesa
Quando estava folheando a programação do Festival de Toronto, um nome me chamou atenção, o do diretor indiano Shekhar Kapur. Foram dois motivos sequenciais. O primeiro é que acreditava que Shekhar tinha morrido alguns anos antes, até por fazer 15 anos de seu longa-metragem anterior, Elizabeth: A Era de Ouro (2007). Depois, o diretor participaria de projetos antológicos – Nova York, Eu Te Amo e Venice 70: Future Reloaded -, curtas e séries de TV. A segunda surpresa: que Shekhar tenha retornado aos cinemas com uma comédia romântica que explora as questões tradicionais envolvidas no matrimônio assistido paquistanês em O Que o Amor Tem a Ver Com Isso?, homônima da canção de Tina Turner, mas sem nenhuma relação além disso.
A bonitinha, mas dispensável comédia romântica acompanha as idas e vindas de dois amigos de infância, Zoe (Lily James) e Kazim (Shazad Latif). Ele, um homem que decide seguir o conselho dos pais e se casar com uma mulher escolhida por sua família. Ela, uma documentarista que aproveita a oportunidade para registar esta modalidade de casamento. Eu preciso repetir que, durante o processo, Zoe e Kazim irão desenvolver sentimentos além da amizade, em razão da intimidade, cumplicidade e do amor platônico conservado oculto?
O que o roteiro de Jemima Khan oferece de originalidade quando comparado com comédias românticas convencionais é a não estigmatização da cultura paquistanesa, enquanto crítica à tradição. Jemina é feliz quando associa o matrimônio assistido ao hábito que pais e mães ocidentais têm de empurrar filhos e filhas em relacionamentos com filhos e filhas de boas famílias, embora menos feliz quando realiza o paralelismo com aplicativos de namoro, pois estes, ao menos, partem do (aparente ou não) livre arbítrio de quem arrasta para cima, não para o lado.
Retomando, é a abordagem honesta da cultura paquistanesa, com as idiossincrasias típicas magnificadas pela lente da comédia e individualidades retocadas com a câmera de Shekhar Kapur, que a narrativa é um tico superior e não mais do mesmo. Ah, isto, Emma Thompson e Asim Chaudhry, que interpreta o casamenteiro, o típico coadjuvante que rouba cada cena em que aparece em razão do humor nonsense e das tiradas espirituosas. Quanto à Emma, que ano incrível está sendo para a atriz veterana: se em Boa Sorte, Leo Grande desnudou o corpo e prazer de uma mulher de terceira idade com transparência e bom humor, aqui liga a velocidade 2x para imprimir um ritmo frenético à mãe de Zoe: embora unidimensional como uma cartolina, Emma tem timing para tornar cada fala em uma oportunidade de riso fácil.
Em contrapartida, por mais que se esforcem, não há química entre Zoe e Kazim, a ponto de levar o espectador a torcer para que fiquem juntos. Se torcemos, é porque o subgênero da comédia romântica já nos doutrinou a acreditar que o melhor par amoroso é aquele que nos conhece desde sempre. Para piorar, Lily James não inspira confiança de ser a diretora de documentários bem sucedida que pensamos ser na narrativa. A sensação é de que Lily está fingindo filmar, não interpretando filmar, e é fácil perceber a falsidade desses momentos. E, ora, nem é preciso ser crítico ou cineasta para concluir que Zoe não conseguiria registrar as imagens que deseja da forma como posiciona e manipula a câmera.
Eu poderia ignorar essa artificialidade, pois comédias românticas tendem a ser, na maioria das vezes, artificiais, mas isto vem aliado à forma convencional: mesmo quando encena os instantes que aguardamos que encene, com a esperança de que fará de maneira original ao menos em função da cultural apresentada, Shekhar Khapur apenas repete o lugar comum. Até a ideia de revisitar trechos de contos de fada nas palavras de Lily James – que poderia repercutir em uma piada interna com o fato de ter interpretado a Cinderela de Kenneth Branagh – não leva senão à conclusão de que O Que o Amor Tem a Ver Com Isso? é o tipo de romance água com açúcar esquecível e não a forma que desejava reencontrar o diretor.
O que o amor tem a ver com isso? tem previsão de estreia para 2023
Filme assistido no 47º Festival Internacional de Toronto
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.