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A Different Man

3.5/5

A Different Man

2024

112 minutos

3.5/5

Diretor: Aaron Schimberg

Arte propõe perguntas, não respostas. Este parece ser o princípio governante de A Different Man, já ilustrado na viagem de metrô em que o protagonista Edward (Sebastian Stan), um homem com a face desfigurada, acredita ser o objeto do olhar discriminatório das pessoas no vagão. Uma conclusão que pode ser equivocada: um passageiro de óculos escuros pode ser cego, já o outro é um diretor de elenco responsável por descobrir atores fora do padrão convencional. O mundo julga Edward por sua aparência ou Edward quem julga a si próprio?

Questionamentos iguais a esse acima somam-se a perguntas a respeito da ética artística e, até mesmo, transbordam a tela cinematográfica para impingir a narrativa cujo roteiro, escrito pelo também diretor Aaron Schimberg, introduz um procedimento cirúrgico apto a desfazer a desfiguração de Edward, dando-lhe o rosto de galã de Sebastian Stan. É um artifício para propor um estudo de um personagem que tem a aparência radicalmente alterada, embora a personalidade seja conservada. Tal imutabilidade é sublinhada depois de a ex-vizinha Ingrid (Renate Reinsve, indicada ao Oscar pela dramédia A Pior Pessoa do Mundo) organizar uma montagem teatral inspirada no breve convívio tido com Edward, que acredita ter morrido. 

A realidade é que, após o procedimento, Edward desvencilhou-se do ‘antigo eu’, adotando o nome genérico de Guy – que em bom português pode ser traduzido como sujeito. Ele trocou a profissão de ator para ser o rosto de uma empresa imobiliária, e agora é a opção de Ingrid para interpretar Edward na montagem teatral. O papel que parecia garantido é colocado em risco quando Oswald (Adam Pearson) visita a audição, coloca uma interrogação na cabeça de Ingrid e realça a ansiedade de Edward. E aí é que as perguntas multiplicam-se, e a ética é desafiada.

Quem deve interpretar Edward, uma pessoa desfigurada ou uma pessoa não desfigurada, desfigurado pela maquiagem? A ausência de resposta concreta pode sugerir a covardia de Schimberg em enfrentar o tema, mas também é um indicativo de que não há uma resposta. Assim, na narrativa, há atores desfigurados e não desfigurados interpretando personagens desfigurados. Do mesmo modo, na peça dentro da narrativa. Aí entra a questão ética: uma história igual a essa é exploratória da desfiguração ou, pelo contrário, desafia criticamente o olhar do espectador a desestigmatizar pessoas marginalizadas? E é possível, inclusive, que sejam ambos, e Schimberg caminha sobre uma corda estreitíssima separando a abordagem crítica da exploratória. 

Enquanto perguntas são feitas, Schimberg encontra meios de acentuar a inadequação de Edward ao posicioná-lo diante de Oswald, um espelho que o recorda da aparência antes do procedimento e também uma imagem idealizada de quem gostaria de ter sido. Ao mesmo tempo em que Edward encara com mágoa e ressentimento a personalidade extrovertida e cativante do alter-ego, Oswald não demonstra ter inveja de sua aparência. E, para pisotear a auto-estima frágil de Edward, Ingrid começa a substituí-lo, profissional e romanticamente. Não demora para a narrativa espiralizar em comédia de humor ácido, em uma escalada de eventos, aos quais o protagonista não têm a bagagem emocional e psicológica necessária.

Sebastian Stan é o elo fraco do trio central. Ele limita-se a encarar o vazio com um rosto de paisagem e ainda carrega o fardo de ter interpretado excessivamente sujeitos moralmente reprováveis (ex. Eu, TonyaFreshPam & Tommy) – o que automaticamente respinga na maneira com que o encaramos. Os melhores momentos do ator são fabricados pela direção sobremaneira, a exemplo de quando a máscara prostética escorrega do rosto, e Stan tenta mantê-la, do mesmo modo que tenta proteger o papel ameaçado na peça. Diferentemente dele, Adam Pearson é marcante, não em razão da aparência propriamente dita, mas do fato de que essa exigiu o aperfeiçoamento de ferramentas de atuação mais sutis e expressivas do que aquelas de atores não desfigurados. Além disso, o ator nos obriga a encará-lo e, assim, ajuda-nos a educar o olhar para enxergar um outro onde víamos uma “fera” – apenas repito o termo empregado no filme.

Enquanto isso, Renate Reinsve é quem tem a personagem mais ambígua na narrativa; a sua Ingrid age movida por egoísmo e vaidade ou empatia e humanidade? Se de um lado, desdenha a máquina de escrever presenteada por Edward e, assim, o ofício de dramaturga, do outro é adepta ao processo colaborativo de criação e aceita o acréscimo dado por quem tem melhor conhecimento de causa. Ingrid é apaixonante e reprovável na mesma medida – tal como o diretor -, e isto alimenta o comportamento errático e stalker de Edward, realçado com a utilização de crash zooms (a aproximação rápida da câmera em direção ao objeto retratado).

Com um título irônico considerado a sua argumentação narrativa, A Different Man emprega elementos recorrentes (ex. o passageiro do metrô) para demonstrar que as transformações pela qual passamos, no fundo, em nada mudam quem verdadeiramente somos. Talvez esta seja uma conclusão açodada e, portanto, equivocada, ou mais uma perguntinha malandra feita pela direção.

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