A melhor biografia falsa e caricatural que você assistirá
No Festival de Toronto, ocorrem as divertidas sessões da meia noite. Participei de algumas (Sisu, Pearl), desisti de outras (estava mais cansado que a sola do sapato), e a primeira delas foi com a biografia (ou “biografia”) do músico ‘Weird Al’ Yankovic, dirigido por Eric Appel, que revisita o trailer falso que havia criado em 2010, estrelado por Aaron Paul, Olivia Wilde e Patton Oswalt nos papéis que agora são interpretados por Daniel Radcliffe, Evan Rachel Wood e Rainn Wilson (respectivamente, ‘Werid Al’, Madonna e Dr. Demento).
Afinal, quem é ‘Weird Al’ Yankovic? A resposta para esta pergunta você NÃO encontrará em Weird: The Al Yankovic Story, não da maneira que espera, por a narrativa adotar a principal característica do músico, a paródia, para tornar rocambolesca a história do personagem. Na realidade, biografias iguais a essa deveriam ser regra, não exceção. No lugar do aborrecido clichê de contar a história do biografado da infância ou adolescência até atingir o ápice da carreira e, em alguns casos, investigar as causas da queda e/ou da morte, Weird emprega o estilo do artista em forma cinematográfica, parodiando a si mesmo e o gênero biográfico. Al se apropria de canções famosas e populares e substitui as letras clássicas por versões bem humoradas (Like a Surgeon é a paródia de Like a Virgin; Smells Like Nirvana, de Smells Like Teen Spirit, e por aí afora).
A partir do roteiro co-escrito por Eric e Al Yankovic, a história do artista é fabricada para os cinemas: a sua relação tumultuada com o pai (Toby Huss), que deseja que o filho trabalhe na fábrica, e com a mãe (Julianne Nicholson), a ascensão meteórica na fama auxiliado pelo pitoresco Dr. Demento, o romance tórrido com Madonna e mais. O roteiro abre oportunidade para que a narrativa brinque com as convenções de gêneros ou subgêneros tradicionais: o coming of age ou drama de amadurecimento de um artista dentro do mercado fonográfico, o thriller de ação contra um cartel de drogas ou mesmo o terror de zumbis (oi?). E tudo isto é potencializado, embora não maximizado, de modo inusitado e que confere ares cômicos sem descaracterizar a dramaticidade da narrativa.
Dramaticidade… risos. Weird é zoação do início ao fim, e se peca é por não pisar no acelerador o máximo que pode, às vezes puxando o freio de mão quando o ideal seria atirar a narrativa no muro e depois cobrar indenização para o seguro. É por isto que gosto muito da atuação de Evan Rachel Wood, que abraça o excesso na caracterização da rainha do pop e cujo interesse é muito além do romântico, já que a narrativa ainda defende o talento de Al em revitalizar a carreira dos músicos que parodia.
Já Daniel Radcliffe tenta equilibrar a forma ingênua, afetuosa e pitoresca com que Al enxergava a música (e a vida) e o desejo de ser acolhido pela família por quem é, não por quem desejam que seja, debaixo do cobertor do falso na narrativa, em um convite para abraçar o personagem a despeito da forma ou justo por causa dela. O ator tem realizado escolhas de personagens exóticos e diferentões para interpretar (vide Cidade Perdida, Armas em Jogo e Um Cadáver para Sobreviver), e Al é mais um dentre o rol destes sujeitos, com o benefício de ser curiosamente menos caricato do que os anteriores. Bom exemplo é na relação com o personagem interpretado por Rainn Wilson, de The Office, que apoia os sonhos de Al.
Com a introdução ainda de figurantes que interpretam personagens célebres, ou nem tanto, Weird não é a biografia de Al Yankovic, óbvio, mas talvez seja a que o artista desejava ter e, no mundo da arte, a caricatura muitas vezes pode ser melhor do que a versão original.
Durante os créditos finais, uma música original escrita por Al Yankovic reclamando da Academia a indicação ao Oscar da categoria. Eu apoio!
Filme assistido durante o 47º Festival Internacional de Toronto
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.