Harry Styles estrela triângulo amoroso e convencional na Inglaterra dos anos 50
Harry Styles esteve na mídia durante o mês de setembro com produções que lhe trouxeram atenção e renderam comentários e memes nas redes sociais. Em Não se Preocupe, Querida, por causa da polêmica de que havia cuspido no ator Chris Pine durante a première do filme no Festival de Veneza – desmentida pelos atores através de suas assessorias; em My Policeman, mais por conta da cena de sexo homossexual com David Dawson do que pelos méritos artísticos do ator. Pois, ainda que Harry tenha um caminho a percorrer, tampouco desaponta dentro de um filme convencional sobre um romance proibido, ambientado em uma sociedade conservadora.
Na Inglaterra dos anos 50, apresentada no roteiro escrito por Ron Nyswaner e adaptado a partir do livro de Bethan Roberts, Tom (Styles) é um policial obediente às leis e à moral do período, embora desumanas e indignas à parte da sociedade. Quando conhece a professora Marion (Emma Corrin, a Diana da 4ª temporada de The Crown), Tom encontra a parte que falta dentro do que a vida espera dele, embora não haja amor e paixão ao romance que iniciam (se é que pode ser chamado de romance). A vida de Tom muda depois de conhecer Patrick (Dawson), curador de museu que o instiga a explorar sua sexualidade em uma Inglaterra em que a homossexualidade era crime. Entretanto, a história acima é somente um fruto da memória desse trio, que, décadas depois, é interpretado por Linus Roache, Gina McKee e Rupert Everett, respectivamente.
My Policeman desestrutura a linearidade do romance, costurando passado com presente, quando Marion convence o marido Tom a assumir os cuidados de Patrick, após este sofrer derrame debilitante. A proposta da direção de Michael Grandage (de O Mestre dos Gênios) é contrapor o trio inseparável de ontem com a versão presente, propondo ao espectador responder algumas perguntas: Por que Tom não deseja conversar e sequer chegar próximo de Patrick? Por que Marion é quem deseja acolhê-lo e o que deseja expiar com o ato?
A sensação de mistério é apenas ilusória, porém, porque My Policeman é coerente com o que você pode presumir com base no contexto e no histórico de produções que porventura tenha assistido. Não é nenhum mérito meu saber a resposta daquelas perguntas com certa antecedência, e mesmo que possa ter me surpreendido em momento específico, tampouco esse constitui um momento de bravura narrativa. Detrás dessa fachada, há um melodrama romântico que adota a frieza como tema recorrente e um elemento estilístico na fotografia sem cor, sem vida, em que amores proibidos apenas podem existir seguros e desimpedidos em becos isolados e viagens inesperadas. A sensação de inevitabilidade de que, a qualquer momento, serão descobertos, oprimidos e punidos é parte essencial da narrativa.
Sem a existência de sentimentos aflorados por impossibilidade contextual, My Policeman é como a praia de pedras ásperas e mar gelado e não convidativo, onde os personagens se encontram e que margeia a propriedade onde Tom e Marion moram no tempo presente. Só resta a beleza a ser contemplada à distância, da mesma forma que o romance no passado sobrevive na memória, quando não é reprimido definitivamente. Como não poderia deixar de ser, o romance critica a opressão da época, aqui representada pelo uniforme policial, e o desamor, o resultado de impedir pessoas que se amam de viver o seu amor de forma livre. As cenas de sexo – que viraram inimigos de parte do público que ignoram a função narrativa que podem trazer em si – contrastam o amor por conveniência (Tom e Marion) do amor por que vale a pena viver (Tom e Patrick), cuja paixão é emoldura pela arte e poesia.
Emma Corrin confirma a expectativa criada após o papel de destaque em The Crown, com um papel a princípio emocionalmente frágil, mas que revela resiliência e malícia. Enquanto isso, David Dawson e Harry Styles têm atuações regulares, apesar de sensíveis. Por fim, há pouco que o trio Linus Roache, Gina McKee e Rupert Everett realizam com personagens fruto das circunstâncias construídas no ontem e de que são reféns até hoje. Restam-lhe as expressões que há nos olhares e o contraste contra a paisagem ilustrada em planos abertos e em que não há a tranquilidade que pareciam inspirar.
My Policeman é uma obra convencional que poderia aprender com um romance corajoso, em um período em que amar não era um direito universalmente concedido. Do jeito como é, serve somente de portfólio para Harry Styles e resquícios de épocas a que não desejamos retornar.
My Policeman estreia 4 de novembro na Amazon Prime
Filme assistido no 47º Festival Internacional de Toronto
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.