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The Menu

106 minutos

A refeição conceitual de Mark Mylod tem Anya Taylor-Joy e Ralph Fiennes como o chef de cozinha disciplinador

Dentro da tradição de produções gastronômicas, O Menu é convidativo ao olhar e saboroso ao paladar, ainda que pareça mais envolvido na construção conceitual do que na elaboração da narrativa. Ok, gosto de produções caprichadas na apresentação, ainda que o conteúdo possa parecer mais infantil do que sugerido à primeira vista. E, se continuar com as metáforas de comida, vocês puxam minha orelha. 

A encenação, pois o caráter teatral da obra é essencial ao êxito do projeto, inicia após certo grupo de pessoas da elite da sociedade chegar a uma ilha remota para viver uma experiência gastronômica proporcionada pelo Chef, interpretado por Ralph Fiennes, com a disciplina de estadista totalitário. O séquito é composto por Lily (Janet McTeer), a crítica gastronômica que descobriu o Chef, o ator de cinema (John Leguizamo), que tenta reerguer-se à frente de programa de variedades, alguns membros do crime organizado cuja empresa de fachada patrocina o restaurante, o casal Richard e Anne (Reed Birney e Judith Light), que já perdeu as contas de quantas vezes comeu as preparações do Chef, e Tyler (Nicholas Hoult), cozinheiro amador, junto à incógnita Margot (Anya Taylor-Joy). 

A suntuosidade do salão onde é servido o jantar oprime os convidados no nível inferior e é a representação do estado de espírito niilista e impassível do Chef. Junto a isso, a devoção, não há termo melhor, dos funcionários da cozinha acende a luz amarela de alerta, sobretudo se considerada a onipresença de Elsa (Hong Chau). A sátira de Mark Mylod (de Qual seu número? e episódios de Succession e Game of Thrones) transforma a cozinha do Chef em um ambiente totalitário para expandir comentários sociais, na revelação dos segredos íntimos daqueles participantes, e artísticos, em como a experiência da arte é objeto da proposta do autor e da recepção do apreciador, que é quem complementa a obra. 

Se o Chef tem o controle sobre a montagem dos pratos e a ordem das refeições, além de acompanhá-las de comentários que colocam a si mesmo dentro da experiência de criação, não tem ingerência se Margot não quiser comer acompanhamento sem pão, por exemplo. A personagem de Anya Taylor-Joy é o ponto fora da curva porque é a Outra naquele grupo de pessoas, é a que não pertence e a que frustra (ao mesmo tempo em que fascina) os planos do Chef. Sendo assim, o roteiro escrito por Seth Reiss e Will Tracy apimenta (droga, lá vem eu com metáforas culinárias) o jogo de egos, explorado pelos atores a partir da resiliência dos olhares. 

A propósito, que ator soberbo é Ralph Fiennes, ao imbuir de tamanha melancolia o olhar do Chef, que parece haver perdido o amor do criador, conservando o ofício por não saber fazer diferente. Isto não atenua a severidade dos atos praticados, embora confira dimensão à luta de quem desistiu de procurar prazer e sentido em criar arte. Aqui, a narrativa de Mark Mylod se embanana, pois parece criticar o dito cinema de arte ou mesmo a experiência conceitual, quando, de modo ingênuo, aponta o dedo para si. Natural que, para alguns, uma pizza e um hambúrguer são melhores do que pratos refinados cujo nome exige conhecimento de língua estrangeira, da mesma forma que filmes de entretenimento saciam o desejo de escapismo de quem não procura obras reflexivas e propositivas. Ao criticar essa forma de encarar a arte e colocar, na fritura, os arquétipos que representam, ao ver da narrativa, a aversão à arte ou ao prazer de criar a arte, o que isto diz sobre o próprio filme? 

Pois Mark não está só criticando o personagem Tyler, o cara desprezível e empoderado que o ator Nicholas Hoult tem se habituado a interpretar na série The Great ou A Favorita, mas quem, igual a ele, acredita compreender a obra do autor e o seu sentido, e utiliza este saber a fim de humilhar quem não o faz (no meio cinéfilo, todo mundo conhece um e outro assim). Ao ver de Mark, são tipos iguais a esse que diminuem a paixão do criador em fazer arte, ao passo que as Margot que mantêm acesa a chama de criar. 

Ainda que confuso das ideias e aberto a interpretações plurais, O Menu ainda assim é uma obra surpreendente a cada batida do roteiro – capitulada pela apresentação de pratos do menu degustação – e um entretenimento apto a confirmar a disciplina artística do protagonista a qualquer custo. É uma refeição que adoraria repetir, ainda que preferisse não pensar em seus ingredientes.

O Menu será exibido no Festival do Rio.

Filme assistido no 47º Festival Internacional de Toronto

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