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Avatar: O Caminho da Água

5/5

Avatar: O Caminho da Água

2022

192 minutos

5/5

Diretor: James Cameron

James Cameron nos convida a voltar a Pandora em um dos melhores filmes de 2022.

Por Thiago Beranger.

Há quem diga que o cinema é vocacionado a representar a realidade tal como ela é. Quem disse isso não teve tempo de assistir a “Avatar”. Prefiro pensar que a imagem do cinema é capaz de transcender o real e representar a imaginação e os sonhos. Às vezes essa imaginação nos leva pelo caminho do realismo, outras vezes nos leva por caminhos diferentes e, nos últimos tempos, o desenvolvimento tecnológico abriu novas possibilidades de destinos.

O aperfeiçoamento das técnicas de computação gráfica e o advento do cinema 3D trouxeram uma série de novos instrumentos para os cineastas darem vida às suas ideias. Obviamente, por questões materiais, pouquíssimos artistas têm acesso irrestrito a esse tipo de recurso, e, dos que tem, menos ainda tem imaginação para utilizá-los de maneira inventiva. A maioria absoluta dos blockbusters só utilizam a tecnologia com o propósito restrito de aproximar seus “bonecos de ação” de um realismo sem graça e cinzento e boa parte da crítica vê esse tipo de abordagem como a única possibilidade. Afinal de contas, se o cinema caminha em direção à representação verossímil do mundo, qualquer coisa que fuja disso é vista como “mentira” ou “interfere na suspensão da descrença”.

Pandora aparece ainda mais incrível.

James Cameron possui em seu currículo algumas das maiores bilheterias da história do cinema e goza de uma confiança por parte da indústria que poucos autores possuem. Isso reflete nos recursos que ele tem à disposição e na exigência de resultados esperados dos seus trabalhos. Ele nunca decepciona, nem do ponto de vista comercial, nem do ponto de vista artístico. Isso porque, Cameron sabe como poucos integrar as inovações tecnológicas que propõe, a narrativas que as absorvam e potencializem. O virtuosismo técnico nunca aparece vazio de sentido, é sempre acompanhado de muito coração. 

Os dois primeiros filmes de “O Exterminador do Futuro” (1985 e 1991), “Titanic” (1997) e  “Avatar” (2009) foram marcos tecnológicos e comerciais em suas respectivas épocas. O último, mais especificamente, consolidou a tendência de grandes produções que integram de maneira indissociável o cinema live-action aos artifícios de computação gráfica e à tecnologia de exibição em 3D, formato que foi tão maltratado e banalizado nos 13 anos que se passaram entre 2009 e 2022. “Avatar: Caminho da Água” marca uma posição firme: toda tecnologia e todo dinheiro do mundo não valem de nada se não houver concepção artística e esmero. James Cameron definitivamente faz questão de deixar bem claras essas duas características. A indústria que correu para entregar “produtos genéricos” (é uma expressão triste, e ao mesmo tempo a que melhor descreve alguns filmes) que respondessem ao legado tecnológico deixados pelo primeiro “Avatar”, agora reaprende com o segundo a utilizá-las de maneira competente.

A tecnologia joga a favor de Cameron.

Isso porque visualmente “O Caminho da Água” é um deslumbre. A construção de Pandora parte da observação do que há de mais belo na natureza do nosso planeta Terra, aliado à imaginação de um artista e de sua equipe, capazes de construir uma metarealidade que responde às expectativas de verossimilhança da indústria e do grande público, ao mesmo tempo em que não perde de vista a capacidade de encantar pela beleza farsesca. Em suma, Pandora extrapola a beleza do mundo real a um nível transcendente. Essa característica já era uma marca do primeiro filme da franquia, mas fica ainda mais impactante aqui. Explorar o planeta, suas florestas, suas montanhas e agora as suas águas, é uma viagem pela qual apenas o cinema pode nos conduzir.

O papo de “filme para ver na sala de cinema” pode soar elitista e descolado da realidade material, principalmente em um país tão desigual quanto o Brasil. Mas dessa vez vou me permitir dizer isso. A sala de cinema oferece as condições ideais para potencializar as virtudes de qualquer filme. Aqui faz ainda mais diferença. A experiência de imersão proporcionada por “O Caminho da Água” é única. Quem está acostumado com o uso de 3D que se satisfaz em “jogar” objetos na cara do espectador, vai se espantar ao se ver quase que dentro da realidade fílmica e com a possibilidade de explorar com o olhar a profundidade de um mundo a ser descoberto. As cores, as formas, os movimentos dos personagens e dos animais, as batalhas, os passeios, é tudo deslumbrante. O mundo é tão rico que as mais de três horas de exibição são poucas para dar conta de explorá-lo.

O filme nos dá tempo pra contemplar as belas imagens.

Em “O Caminho da Água”, mais até do que em seu antecessor, há uma priorização de um sentido mais contemplativo em relação ao desenrolar da trama. Muito tempo é “perdido” – ou nesse caso seria “ganho” – para que aprendamos e que possamos usufruir um pouco mais desse mundo. Esse processo não aparece como mero exibicionismo da beleza dos cenários ou da qualidade dos efeitos especiais. A conexão com essa beleza é parte importante da dinâmica narrativa do filme. Precisamos nos importar com o planeta, com seus habitantes, com os animais, com a natureza para que a trama tenha o efeito esperado. Cameron usa essa longa pausa contemplativa, que começa na virada do primeiro para o segundo ato quando a família de Jake (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldaña) foge rumo à vila dos Na’vi aquáticos para construir esse processo de identificação.

O universo de “Avatar” é expandido. Somos convidados a conhecer juntamente com os protagonistas essa nova realidade. A interação entre os Na’vi do mar e os Na’vi da floresta, podem não mover diretamente a trama, mas enriquecem ainda mais o universo, além de ajudar a consolidar as relações entre os jovens personagens introduzidos nesse segundo filme. Neytiri e Jake são velhos conhecidos. Seus filhos e agregados precisam desse tempo para fincarem seu lugar nesse mundo. O que deságua no peso emocional que o final do filme nos oferece.

Temos acesso a novas criaturas, como as simpáticas baleias – ou tulkuns. O diretor chega a nos oferecer em algumas cenas enxergar o mundo através do ponto de vista de uma dessas criaturas. Não é por acaso. Essa escolha vai ser absolutamente importante para construir o impacto absurdo que tem uma sequência posterior, quando há uma caça a outro indivíduo da mesma espécie. Ou no momento em que o mesmo tulkun resolve entrar na briga atacando os caçadores. O cinema veio abaixo com gritos de torcida na sessão em que assisti ao filme. Para experienciarmos as nuances de um universo como esse é preciso tempo. E aí vem a questão mais apontada como um problema de “Avatar” desde 2009, a ideia de que o universo é lindo mas a “história é muito simples”. 

O clã Sully está de volta, agora com novos integrantes.

Sim, a trama é simples e remete a temas, arquétipos e dinâmicas bastante elementares. Os valores humanistas, a preservação da natureza, a afetividade familiar, a menção clara ao processo de colonização, a jornada do herói e o maniqueísmo são características encontradas em muitas narrativas – não só cinematográficas – ao longo dos anos. Elas estão bem presentes na trama de Cameron, mas em nenhum momento isso representa algum demérito ao filme. Pelo contrário. A facilidade de identificação que absolutamente qualquer pessoa tem com esse tipo de esquema narrativo, aliado à potência das imagens construídas pelo diretor é a combinação que faz de “Avatar” um dos maiores marcos da história do cinema blockbuster. Se a trama não fosse simples, não haveria tempo para contemplarmos o mundo, se não contemplássemos o mundo, não nos importaríamos com ele e a trama não funcionaria. Há nesse ponto um equilíbrio perfeito que se resolve através da emoção.

Temos pela frente mais três filmes confirmados para a franquia. Antes de assistir a “O Caminho da Água” essa ideia me parecia preocupante. Franquias que se estendem muito, normalmente se perdem pelo caminho, vide “Star Wars”. Depois de ver o filme, no entanto, tudo o que eu quero é retornar a Pandora. O potencial desse universo é riquíssimo. Podem ressuscitar o Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) quantas vezes quiserem, podem criar mais dez vilões genéricos como ele se for necessário, só me deixem viajar pelo planeta e conhecer suas tribos, seus biomas, seus costumes, suas paisagens. Minha passagem já está comprada pra mais quantas viagens James Cameron e o seu cinema quiserem me oferecer até lá.

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