“Me dê sua força, Pégaso!”
Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo é a primeira adaptação em live-action dos guerreiros de Athena. Nessa produção, acompanhamos a trajetória de Seiya (Mackenyu) desde o breve despertar de seu cosmo durante uma luta clandestina. Após ser recrutado pelo milionário Alman Kido (Sean Bean), Seiya tem conhecimento da origem de sua força e da reencarnação da Deusa Athena, a quem deve proteger de Guraad (Famke Janssen), que vê no despertar de Athena uma ameaça à humanidade.
Apesar de ser uma adaptação, trata-se de uma obra autônoma e, portanto, deveria ser recebida e analisada individualmente, sem comparar com o material original em que se baseia. Eu cresci acompanhando Os Cavaleiros do Zodíaco. Sempre foi meu anime favorito. Colecionei os bonecos, completei álbuns de figurinha, lia todas as revistas “Herói”, “Herói do Futuro”, “Henshin” e “Anime-Do” sobre os defensores de Athena. Lembro quando era bem pequeno e voltava do colégio correndo para assisti-los na extinta Manchete. Também da alegria que foi quando as sagas se reprisaram no Cartoon Network. Além das minhas idas periódicas à Metrópolis, loja de quadrinhos do Méier, para comprar os mangás, ou de pegar emprestado com os amigos do colégio as fitas VHS com os episódios inéditos da saga de Hades. Quantas vezes juntei moedas para ir nos eventos de anime na UERJ e conseguir falar com os dubladores – o mais perto que conseguia chegar dos meus heróis era através de suas vozes. Os Cavaleiros do Zodíaco sempre preencheu meu mundo. Na verdade, ainda preenche e em um lugar muito especial que revisito sempre que possível: o aconchego das memórias da infância. Por possuir toda essa bagagem afetiva, é impossível dissociar a obra original da adaptação.
O live-action de Cavaleiros do Zodíaco me provoca sentimentos ambíguos. Por mais que se intitule uma adaptação da obra de Masami Kurumada, o filme mais se assemelha com a animação “Knights of the Zodiac”, recentemente lançada pela Netflix. A antagonista da história, Vander Guraad, é um personagem que não existe na história canônica, e que é uma versão feminina do vilão da animação americana. A relação entre nomes se repete, assim como no do equivalente de Ikki: Nero (Diego Tinoco). Outra semelhança que me gera incômodo são os soldados de Guraad: uma espécie de cavaleiros negros biomecânicos totalmente genéricos. Acredito que esses estejam no lugar dos cavaleiros negros da Ilha da Rainha da Morte, doppelgangers dos cavaleiros de bronze originais.
O longa acerta em concentrar seus esforços na história de Seiya. Um mesmo filme de origem para todos os cinco principais de bronze iria ser apressado demais e não daria tempo suficiente para o público menos familiarizado criar conexões emocionais com os personagens. Conhecemos nosso protagonista em uma arena clandestina gerenciada por Cassius (vivido pelo nada ameaçador Nick Stahl). Seiya luta por dinheiro enquanto busca por Seika. A irmã desaparecida de Seiya é um elemento mais presente no filme do que na obra original. Sua importância é notada principalmente com sua presença dentro do quadro. A busca por Seika serve de força motriz para o protagonista em boa parte de sua jornada. Dessa maneira, a devoção de Seiya à uma deusa recém descoberta não soa forçado.
A figura de Saori, aqui Siena, é dissociada de Athena. O despertar gradual com a evolução das mechas lilás no cabelo foi uma escolha interessante para trazer a plasticidade dos traços do anime para o filme. Assim como na história canônica, a protegida dos cavaleiros não é uma figura estoica e benevolente desde sempre. Siena é uma adolescente rica e se comporta como tal. Possui seus rompantes de imaturidade e futilidade e não caminha pelo jardim de casa munida de um cetro – enquanto Athena, sua caracterização é a mais fidedigna da adaptação. Ela amadurece conforme sua relação com Seiya se desenvolve. O que começa com uma antipatia vai se transformando em parceria. E convenhamos que, na obra original, existia mais uma obrigatoriedade do que um chamado altruísta para aqueles meninos órfãos ingressarem no treinamento de cavaleiro – e eram crianças, ainda por cima.
Como disse no início, a adaptação enquanto obra independente possui liberdade para fazer seu próprio enredo e apresentar o olhar do diretor sobre a fonte na qual se inspira. Ainda assim, observo que Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo tem por público alvo as novas gerações, e está voltada ao mercado estadunidense. Fora do Japão, Saint Seiya foi uma febre na América Latina, em especial no Brasil, e em parte da Europa (França, Espanha e Itália, principalmente). A construção narrativa é totalmente ocidentalizada. Isso se nota pelo White Whashing de personagens japoneses e também por escolhas visuais. O design das armaduras remetem às armaduras medievais europeias. Ligas de metal opacas tomaram o lugar do brilho ofuscante daquelas que representam as constelações.
Percebo um apego quase que obsessivo ao militarismo tático – vide Mylock (Mark Dacascos), que é mais John Wick do que Tatsumi – e ao realismo das explanações tecnológicas que impede com que aquele mundo possua o teor puramente mágico que uma narrativa baseada em histórias mitológicas merece. Apenas alguns cenários exploram essa vertente, e assemelham à estética de jogos de vídeo game, como God of War. Faz parte da experiência de imersão ao universo canônico de Os Cavaleiros do Zodíaco se desconectar das explicações científicas sobre determinado golpe – ainda que eu tenha aprendido sobre o 0° Kelvin, ou “Zero Absoluto”, com o Hyoga.
A revelação da armadura de Pégaso consegue trazer um pouco do fantástico que a obra original possui. A imagem do cavalo alado formada por fragmentos metálicos farfalha o sentimento nostálgico que procuramos. apesar de se revelarem a partir de outro dispositivo, as urnas das armaduras foram preservadas (graças à Deusa! Risos). Mas o que mais me deixou perto de despertar o cosmo foram as cenas do treinamento de Seiya. A cena em que exige que Seiya destrua uma pedra usando apenas as mãos é um retorno temporário àquela lembrança acolhedora da infância. Retorno esse que também é possível quando identifico as notas de “Pegasus Fantasy”, mesmo que tocadas como marcha marcial. Outra personagem abrilhanta esse momento: Marin. Entre os guerreiros, é ela quem possui o visual mais fiel. Para além da estética, a atriz também conseguiu imprimir a personalidade rígida e ao mesmo tempo maternal da mestra do cavaleiro de Pégaso.
Apesar de as lutas serem bem coreografadas, elas não são emocionantes. O suspense construído pela expectativa do ataque do adversário é ceifado das cenas. Outro elemento deixado de lado é a nomeação dos ataques. Apesar de vermos os disparos de energia e de chamas, não somos presenteados com os gritos de “Meteoro de Pégaso” ou “Ave Fênix”. Diego Tinoco também não consegue passar a imponência que o cavaleiro de Fênix deveria transmitir. Soa apenas como um adolescente rebelde e raivoso. Isso se torna ainda mais aparente graças ao caimento de sua armadura. Nero trajando a armadura de Fênix parece um menino vestindo a roupa de seu pai para uma apresentação de escola. Contudo, um detalhe me chama atenção: seu brinco faz alusão à uma das extremidades da corrente de andrômeda.
A batalha que mais chega perto do teor épico que se espera de uma adaptação de Os Cavaleiros do Zodíaco é a perseguição do cavaleiro de capricórnio ao cavaleiro de sagitário que carrega consigo a reencarnação de Athena ainda bebê. As armaduras douradas e os cosmos brilhantes que cortam o azul marinho da noite nos entrega um pouco da grandiosidade esperada para a franquia. Apenas com o som da narração em off, a cena nos transporta aos primeiros minutos do episódio piloto da animação clássica em que o narrador contava sobre os tempos em que os heróis mitológicos caminhavam sobre a terra. No fim das contas, o live-action de Os Cavaleiros do Zodíaco não chega a ser sofrível como foi Dragon Ball Evolution. Mas infelizmente está distante da adaptação que a obra original de Kurumada merecia. Seiya pode ter despertado o cosmo na telona, mas não o elevou a ponto de alcançar o sétimo sentido ou nos fazer fervilhar de emoção – ainda que contasse com o sentimento de nostalgia.
Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo estreou dia 27 de abril nos cinemas.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.