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Little Richard: Eu Sou Tudo

4/5

Little Richard: Eu Sou Tudo

2023

98 minutos

4/5

Diretor: Lisa Cortés

“O mundo é grande demais para não sermos quem a gente é” – Elza Soares

A história do rock esbarra em nomes como Elvis Presley, Beatles e Rolling Stones. E se todos soubessem que esses nomes convergem em outro nome? Little Richard: Eu Sou Tudo dá o devido protagonismo àquele que sempre foi uma inspiração para tantos, muito além de sua música. Mais do que o arquiteto, Little Richard pode ser o rei não reconhecido do rock n’ roll.

O documentário faz uma construção cronológica dessa figura repleta – e igualmente rodeada – de antíteses. A obra remonta sua origem em Macon, Georgia, como o terceiro de doze filhos de uma mãe amorosa e um pai – religioso e dono de boate – que não o aceitava por sua deficiência (suas pernas não possuíam o mesmo comprimento) e sinais de sua orientação sexual. Ela também nos apresenta seus amores e os momentos em que o artista não era capaz de amar a si.

Em uma constante batalha entre sua sexualidade e sua religiosidade, nos deparamos com o sofrimento de alguém que carregava com um peso que não conseguia sustentar. Um astro nos palcos, mas apenas um humano na vida. A generosidade com aqueles que o orbitavam era estratosférica. Little Richard foi um mentor para artístas e um abrigo para pessoas LGBTQIA+. Os trechos mais tristes do longa são quando assistimos seu suplício, ao se colocar entre o sagrado e o profano. Foi de arrancar lágrimas ouvi-lo dizer “God made Adam to love Eve, not Steve(“Deus fez Adão para amar Eva, não Steve”, em uma tradução livre).

 Através de depoimentos daqueles que passaram por sua vida ou foram inspirados por ela, o filme nos permite almejar o alcance de Richard. Mick Jagger, John Waters e muitos outros testemunham em frente à câmera. Pelo menos até o instante em que Richard os interrompe com seu “cala a boca” e resolve contar sua própria história – momentos ímpares resgatados de suas entrevistas.

A potência de Little Richard extrapola sua imagem e serve de reflexo para muitos.

Muitos comentários foram feitos a respeito do estilo de Richard e como o mesmo acabou impactando outros artistas. O músico foi um dos pioneiros no mundo da música a adotar uma estética queer. Suas apresentações, verdadeiros espetáculos. Brilhos e cores nos figurinos amplificavam a atmosfera eletrizante criada pela sonoridade única dos vocais estridentes e das notas percussivas que extraia do piano. Prince, Michael Jackson, James Brown, David Bowie, Freddie Mercury, Elton John…Talvez nenhum tivesse existido sem Little Richard.

O filme também aborda como o arquiteto do rock foi negligenciado pela mídia. Suas músicas foram regravadas por artistas brancos na tentativa de obliterar sua carreira, e até sua existência. Com bastante pertinência, é dito que a música negra definiu o que viria a ser a música popular estadunidense. E um belíssimo caleidoscópio presta reverência a diversos artistas negros do blues, gospel e do R&B que foram suas referências. Impossível conter uma potência como Little Richard. Apenas ele próprio conseguia tal feito. Sua grandeza extrapola seu corpo. Sua representação vai além de uma poeira brilhante. Richard não era sequer uma constelação. Tão pouco uma galáxia. Ele era um universo inteiro!

Quando o documentário dá início, a expectativa de algo tão cósmico quanto o artista homenageado é fabricada. Contudo, em poucos minutos, acaba se mostrando contido em um formato mais convencional. Por mais enriquecedores que sejam os vários depoimentos, esse dispositivo de “talking heads” é limitante. As várias imagens de arquivo também nos dão a sensação de que a maior parte do tempo de tela é consumido pelo preto e branco, e não pelas cores vibrantes que nos remetem a Little Richard.

São pouquíssimos os momentos de ruptura com essa estrutura hermética. Em um lampejo de ousadia, nos deparamos com a música “Tutti Frutti” durante uma explosão sensorial. Com uma montagem caótica de imagens repletas de cor e movimento, foi possível sentir um pouco da energia que emanava do artista nas suas performances. Seria necessário abrir mão por mais tempo de uma abordagem linear para representar com a devida intensidade essa força da natureza que escancarou os padrões de sua época.

Little Richard: Eu Sou Tudo cumpre seu papel em ovacionar um artista que não obteve o devido destaque dos holofotes, apesar de sua imensa contribuição à música e às pessoas. Mais que a majestade, o filme revela que a maior contradição de Little Richard foi ser humano por mais que refletisse a imagem de uma divindade.

Little Richard: Eu Sou Tudo está em exibição nos cinemas, no 28º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade – 2023.

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