Capitão Astúcia nos ensina que os olhos podem ganhar rugas e outras marcas do tempo. Mas o olhar não pode perder o encanto com que encara a vida. Ao fim do filme, entre outros pensamentos, tentei me recordar quando foi que comecei a deixar de olhar o mundo com olhos de menino. De não mais querer abraçar o fantástico, de não achar mais que o impossível é possível e que encarar com crueza a realidade é o único caminho possível. Eu não contava com a astúcia desse herói improvável, falando diretamente comigo que, de que de vez em quando, a gente precisa voltar ao estado de criança e recuperar aquele olhar de menino esquecido entre obrigações e metas, pois talvez essa seja a única forma de passarmos por caminhos ásperos ilesos.
O filme traz uma dinâmica semelhante à de Ricky & Morty entre o avô Capitão Astúcia e seu neto Santiago (ou Kid Pianino), uma ex-criança prodígio que está sendo impelido pelo pai a voltar ao estrelato agora adulto. A história inclusive começa com Santiago sendo reconhecido no saguão de um aeroporto minutos antes de ser detido ao tentar embarcar sem passagem para um voo com destino à Tóquio e, então, conseguir impedir Akira, o arqui-inimigo de seu avô, de abrir novos portais que trazem uma energia maligna para a nossa realidade através de sua harpa laser.
Enquanto Santiago tenta convencer os policiais a liberá-lo, ele narra a sequencia de eventos que o transformaram em um sidekick involuntário de seu avô. Com boas risadas, acompanhamos as desventurais da dupla. Quem diria que um idoso conseguiria dar balão em tanta gente e até escapar da casa de repouso em que reside. É nesse ambiente que o encantador senhor revela seus planos de salvar o mundo. É lá também que conhecemos a enfermeira Dulce, a Dulcinéia de nosso Dom Quixote – Nívea Maria traz uma doçura à sua personagem cujos olhos brilham pela vivacidade e pelo cortejo do encantador senhor.
Não há como não se encantar pela figura do Capitão Astúcia. Seu olhar sobre o mundo é contagiante! E Fernando Teixeira consegue reunir carisma, sabedoria e uma vulnerabilidade oculta, que nos fazem querer sentar de frente ao seu personagem e ouvir todas as suas histórias. Paulo Verlings também está excelente na pele de Santiago. É engraçado seu olhar inseguro e a forma atropelada com que seu personagem se envereda nas missões em que o avô o envolve.
Capitão Astúcia nos envolve em uma narrativa que explora a linguagem dos quadrinhos, incorporando alguns elementos característicos dessa mídia. Toda a escolha de elementos do design de produção que buscam uma estética retrô e de cores vivas que saltam aos nossos olhos e nos envolvem nessa história de herói diferente de tudo que a Marvel e a DC nos ofereceu até hoje. Também somos surpreendidos por pastiches que reverenciam filmes que provavelmente compõem a memória afetiva do diretor Filipe Gontijo. A fuga de bicicleta que nos transportam a cena clássica de E.T, os lasers ao som de sintetizadores que lembram Tron e a presença de um policial que parece ter saído de Exterminador do Futuro 2 são apenas alguns exemplos.
Por mais que todo esse ímpeto desse herói, no mundo real, sejam sinais de uma degeneração mental, eu quero acreditar no Capitão Astúcia. Eu quero crer que exista uma realidade onde o impossível é possível e sempre poder ouvir histórias maravilhosas. Nem sempre a realidade nos possui o que precisamos. Aqui, entendemos que é preciso ouvir os nossos capitães e capitãs astúcia e as histórias que eles tem pra contar. Mesmo que elas não aparentem fazer sentido. O extraordinário não precisa fazer sentido.
Capitão Astúcia foi exibido na 2ª Edição do Festival de Cinema de Vassouras
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.
2 comentários em “Capitão Astúcia”
Emocionante ler isso. Obrigado.
Emocionante é ter o realizador do filme comentado na crítica!