Histórias de vampiro são presentes no imaginário coletivo. A figura de Drácula, por exemplo, já foi adaptada diversas vezes e em diversas mídias. Atores foram consagrados interpretando versões do príncipe das trevas, como Max Schreck, Bela Lugosi, Christopher Lee e Gary Oldman. Não Sei Quantas Almas Tenho é uma produção brasileira que trás mais uma vez à tela esse misticismo sobre essas criaturas da noite.
No longa, somos apresentados ao vampiro Nicolau que enxerga Nina como o grande amor que buscou ao longo dos séculos. As inspirações na história de Drácula de Bram Stoker são óbvias. Basta observar o nome da amada pretendente: Nina, quase Mina (Harker). O filme se concentra em um jogo mais de obsessão do que sedução. Onde Nina, sob influência de seu stalker sobrenatural, começa a perder o controle de suas ações e seus desejos.
Nicolau, no entanto, não é um vampiro que nos intrigue. Não possui nem à ferocidade de Lugosi, tão pouco a sensualidade de Lee. Pelo contrário, o vampiro lusófono mais se assemelha ao anjo Demian, interpretado por Bruno Ganz. Sua expressão, contudo, é quase sempre blasé apesar de toda inquietação em seu âmago, inspirada no poema do Fernando Pessoa e que também nomeia o filme. Salvo quando invade a mente de sua amada. A comunicação telepática que se estabelece entre o observador e o objeto e seu desejo é enfadonha e um tanto quanto pomposa. O texto acaba necessitando transmitir uma eloquência de uma alma milenar existencialista que, além de ser expositiva, soa previsivelmente cafona. Mesmo quando envolvido em uma estética neo-noir que oscila entre sombras e luzes, o filme não consegue seduzir nossa atenção.
A tensão do filme se sustenta sobre a trilha musical extradiegética que ruidosamente ressoa em nossos ouvidos enquanto a câmera espreita a mulher traz uma onipresença à figura do ser sobrenatural. A oscilação entre cenários portugueses e brasileiros é curiosa. Também é curioso como podemos acessar a confusão mental de Nina com o subir e descer de elevadores claustrofóbicos cujo ranger de engrenagens também nos faz ranger os dentes. Contudo, essa angústia proporcionada não chega a se desenvolver, tão pouco se transfigura no horror. Até mesmo as cenas gore onde a bestialidade é despertada tem seu caráter repulsivo comprometido ao revelar que o que foi devorado era apenas uma pitaia. Se a capitulação pautada nos elementos da tabela periódica acabou drenando ainda mais o ritmo da narrativa.
Por fim, acredito que o longa poderia ser mais incisivo na questão do quão abusadora uma figura masculina pode ser sobre uma mulher ao invés de justifica-la. Invadir seus pensamentos e sempre a espreitar não seria positivo de maneira alguma. Afinal, por mais que o perseguidor em questão seja demasiado débil, a maneira como faz uso de seus dons sobrenaturais é covarde. Com isso, o desenvolvimento do vampiro Nicolau na trama é um dos principais motivos para que Não Sei Quantas Almas Tenho acabe sendo um filme de gênero cujo potencial acabou se extinguindo durante sua execução.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.