Quando criança, eu não brincava com a Barbie, mas meus bonecos acabavam virando namorados das bonecas das minhas primas. Não tem como pensar em uma boneca e não lembrar da Barbie. Ela é um símbolo da indústria do consumo, além de ter sido determinante na idealização de um padrão de beleza quase inalcançável. Ainda maior que o seu valor comercial, é o valor afetivo que ela possui e que perpassa por várias gerações. Até quem não brincava com a Barbie, possui uma história com a Barbie.
O projeto de trazer a boneca para a telona em uma adaptação live-action não é recente. A primeiras discussões sobre essa empreitada começou em 2009. Alguns nomes conhecidos foram trazidos para a conversa ao longo do caminho: Diablo Cody (Garota Infernal / Juno) havia sido contratada para escrever uma versão do roteiro, que não foi levada adiante; Patty Jenkins (Mulher Maravilha) quase dirigiu o filme; e Amy Schumer e Anne Hathaway foram cotadas para o papel principal. Nunca vamos saber qual seria o resultado caso essas escolhas anteriores se mantivessem. Só sei que, o filme da Barbie sob o comando de Greta Gerwig e que conta com a Margot Robbie na pele da icônica boneca é impecável!
No longa, Barbie (Margot Robbie) se vê obrigada a deixar sua “vida perfeita” em Barbieland após começar a ter crises existenciais e de identidade. De tira colo, acaba trazendo para o mundo real seu admirador, Ken (Ryan Gosling). O filme traz uma metáfora deliciosa sobre autodescoberta e dispara diversas lições sobre empoderamento feminino, igualdade de gêneros, diversidade, relacionamento tóxico e patriarcado. Ainda que esses conceitos sejam sublinhados de forma expositiva, eles sempre são recebidos de maneira leve e descontraída devido ao tom cômico do filme. O exagero é delicioso nessa comédia que, apesar de inspirada em um brinquedo, não é bem um filme infantil. Digo isso porque, apesar do desbunde visual do mundo da Barbie, o diálogo do filme é direcionado ao público adulto – seja pelo resgate de referências ou pelo duplo sentido empregado em alguns momentos.
O filme embarca no fantástico trazendo a realidade de um mundo de brinquedos onde se é transferido do segundo andar da casa dos sonhos até o carro da Barbie, além de ser possível cumprimentar as amigas Barbies Astronautas lá no espaço. É interessante como o estabecer os pés no chão é o primeiro passo para a jornada de autoconsciência. Barbie consegue trazer algumas das grandes questões humanas a respeito do ser mediante um discurso simples e objetivo, convidativo tanto para meninas quanto para meninos. O Ken de Gosling é incrivelmente caricato e engraçado, conseguindo atrair a atenção para si e também para discussões válidas acerca da masculinidade tóxica e da dependência emocional.
Se o protagonismo é compartilhado entre esses dois personagens em suas jornadas particulares, as demais Barbies e Kens trazem diversidade e complementam a trama com alívios cômicos e que expandem esse universo lúdico. As cenas coletivas envolvendo conflitos e coreografias nos fazem chorar de tanto rir. Mas a genialidade do humor se revela principalmente quando explora o “brincar com bonecos e bonecas”, fazendo graça tanto com a liberdade do mundo dos brinquedos quanto suas limitações.
O mundo colorido de Barbie possui particularidades acentuadas e que foram amplificadas quando seus elementos invadem o mundo real. O exagero e a artificialidade são mecanismos primordiais nessa adaptação repleta de sátiras sociais. Mas isso não significa que o mundo dos humanos não seja gritante à sua maneira. Um exemplo disso é o personagem de Will Ferrell, o CEO da Mattel, o típico homem na maior cadeira de poder. O culto ao masculino também é magistralmente apontado em nossa realidade. Enquanto isso, a utopia do matriarcado é marcada, acima de tudo, pelo rosa característico do universo das bonecas em contraste aos símbolos másculos preponderantemente cultuado no mundo dos homens – ops! Humanos.
Barbie faz jus ao hype que produziu. Também valeu a pena a escassez global de tinta rosa para que aquele mundo pudesse ser produzido e exibido em tela. O roteiro é genial não apenas pelas discussões que ele traz, mas por explorar o universo da boneca e também fazer trazer referências à sétima arte. Ele é saudoso com aqueles cujas Barbies foram suas melhores amigas durante a infância e, ao mesmo tempo, conquistar aqueles que apenas orbitaram esse universo, como eu (acho que quero um funko da Barbie e do Ken agora). Além disso, não faltaram gargalhadas e, é claro, muito rosa!
Barbie estreia dia 20 de julho nos cinemas.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.