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Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte Um

4/5

Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One

2023

163 minutos

4/5

Diretor: Christopher McQuarrie

Há algum tempo Tom Cruise virou sinônimo de comprometimento de um ator com seu desempenho em um filme de ação. O artista já sexagenário dispensa dublês durante a execução de cenas que colocam sua integridade à prova. E é na pele do agente Ethan Hunt que o ator procura superar as suas realizações e flerta cada vez mais de perto com a morte. É dessa maneira que personagem e intérprete se mesclam. Tanto Hunt quanto Ethan não se importam em arriscar a própria vida em prol da realização de suas respectivas missões.

Na primeira parte de Missão Impossível: Acerto de Contas, Ethan Hunt e sua equipe são colocados diante de uma caixa de pandora capaz de definir o que é ou não verdade. O inimigo a ser combatido é a Entidade, uma inteligência artificial consciente que é capaz de invadir bancos de dados e dispositivos de segurança governamentais e assim definir não apenas a história, mas de que forma ela será contada.

Apesar de vivermos em tempos de pós-verdade, onde fake news influenciam na ordem política de países e até no controle de pandemias, o questionamento a respeito de narrativas não é atual. Ele já havia sido levantado por George Orwell com a afirmação “a história é contada pelos vencedores”, presente em sua ficção distópica 1984. Mas é em cima da lógica de Walter Benjamin sobre a memória histórica e o questionamento das estruturas de poder que o senso de responsabilidade de Hunt se manifesta. Com uma corrida entre governos para ter o controle da tecnologia, Hunt decide então neutralizá-la. Ele só não contava com a presença de alguém do seu passado para frustrar seu planejamento.

Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte Um resgata elementos do primeiro filme da franquia. Além de trazer os eventos que transformaram Hunt em um agente da IMF, reencena o jogo de gato e rato com seu velho conhecido, com direito à ambientação noir idealizada por Brian de Palma, em 1996. Gabriel (Esai Morales) é um fantasma do passado de Hunt que volta para assombrá-lo enquanto ordena o caos como um arauto da inteligência artificial. Além de contar com a onisciência da tecnologia para antecipar os passos do adversário, também conhece a fundo nosso protagonista.

Por mais que a franquia nos apresente dispositivos avançados demais para o tempo em que vivemos, a Inteligência Artificial é uma ameaça bastante plausível e recebida com naturalidade. Assim como instituições e governos trazem um quê de onipresença e intangibilidade ao mal que precisa ser combatido, trazer uma tecnologia consciente reforça essa metáfora de Davi e Golias para a trajetória do personagem de Tom Cruise.

É curioso como, apesar dos aparatos tecnológicos dentro e fora da narrativa, o dinamismo do filme se construa através do analógico e do corporal. Em muitas sequências de ação, Hunt está correndo ou envolvem veículos de motor a combustão como uma motocicleta e o trem da sequência final. Isso se reflete também na execução de cenas mais perigosas, onde o ator abre mão da segurança de um estúdio para se arremessar contra um penhasco.

Com certeza, a realização dessas sequências que põem em risco a vida do ator fazem parte da promoção do filme. Nesse sétimo filme da franquia, esse feito foi explorado pelo marketing divulgando o making off da tomada muito tempo antes o lançamento o filme. Questiono a importância da cena em si para a narrativa. Com certeza o filme poderia encontrar meios tão criativos quanto para desenrolar a trama e inserir Hunt no trem em questão. Acaba que a execução de uma cena dispensável é encarada com mais relevância do que a obra em si. E é em cima desse exercício de narcisismo de Tom Cruise que o filme encontra seus calcanhares de Aquiles.

Tom Cruise desafia a morte mais uma vez

Acredito que o desempenho do ator deva servir ao filme e não ao contrário. Por mais surpreendente que seja a capacidade física de Cruise apesar de sua idade, o filme em alguns momentos transmite a sensação de ser um mero instrumento de propaganda do ator e para a manutenção da posição de galã do mesmo Tom, você está muito bem para um senhor de sessenta anos. Já entendemos. Para além das cenas de ação, o filme emprega preciosos minutos na tensão sexual entre Hunt e Grace (Hayley Atwell).  E em um filme de quase três horas de duração, o uso desse tempo precisa ser justificado. Apesar da comicidade presente na sequência em que fogem pelas ruas de Roma em um apertado Fiat 500, a relação construída entre o agente secreto e a ladra soa forçada. Isso ocorre não somente pelos diálogos de flerte, mas pelas frases de efeito proferidas pelo protagonista a respeito de seu altruísmo com a segurança daquela que servira apenas como isca para a trama.

Grace e Hunt

A instrumentalização das personagens femininas também é algo a ser apontado. Enquanto na primeira metade do filme, Ilsa (Rebecca Ferguson) é uma peça crucial no quebra cabeça a respeito da ameaça da Entidade, ela passa a ser apenas um instrumento para o arco dramático de Hunt e a construção da aura sádica do vilão. A capanga de Gabriel, Paris (Pom Klementief) mais parece um pastiche de capangas de filmes dos anos 80 com a Arlequina, de Margot Robbie. A personagem de Pom passa quase todo filme sem diálogos. Nos planos detalhe que destacam a antagonista, ela está apenas gritando ou gargalhando. O momento de maior eloquência da vilã serve apenas para servir ao personagem de Cruise.

Hunt e Ilsa em Veneza

A respeito do principal antagonista humano, por mais intrigante que seja trazer alguém do passado de Hunt para essa possível trama de conclusão, o ator escolhido para representá-lo não possui carisma suficiente para rivalizar com Cruise. Esai Morales não consegue transmitir o ar vilanesco de um ser que basicamente retorna do Hades. Para alguém que parece ter voltado do inferno, não conseguiu aprender a passar maldade e sedução com Lúcifer. Por mais que revele suas intenções de fazer Hunt sofrer, suas falas não carregam a sordidez necessária para intimidar. A interpretação de Morales não faz jus à condição de nêmesis do nosso agente

A verdade é que o acaso são os principais adversários e também aliados de Hunt e sua equipe. Ao longo dos sete filmes da franquia fomos ensinados que o esquema mais incrível para a realização de uma missão impossível não irá ser executado conforme o planejado. É a adversidade que traz emoção aos filmes. E não faltam sequências em que ficamos agoniados na cadeira enquanto assistimos os membros da IMF improvisar soluções. Debruçado nessas situações que a franquia encontra a fórmula do sucesso.

Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte Um é um excelente entretenimento que merece ser visto na tela grande. Para além de um filme de ação, o filme garante momentos de tensão, seja com Benji diante de uma bomba ou com Hunt correndo contra o tempo. O ponto alto do filme se passa no trem. E a chegada de Hunt por um penhasco sequer chega perto da sequência mais angustiante do filme. Impossível mesmo é cochilar ao longo dessas duas horas e quarenta e três minutos.

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