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Who Do I Belong To

3/5

Mé el Aïn

2024

117 minutos

3/5

Diretor: Meryam Joobeur

Muitas vezes, uma relação literal com uma obra de arte pode provocar frustração pela incapacidade de obter respostas para perguntas propostas pela narrativa, ou pela dificuldade em conciliar os acontecimentos exibidos na tela com a identidade de quem os enxerga. Embora pareça a princípio um retrato objetivo, um equívoco a respeito do qual discutirei à frente, Who Do I Belong é uma obra de subjetividades, formada a partir de quem detém o olhar. Não há necessariamente uma identidade factual entre imagem e significado, mas uma relação emocional formulada na dor paterna.

Escrito e dirigido por Meryam Joobeur, indicada ao Oscar pelo Curta-Metragem Ihkwène (2018), Who Do I Belong To inicia com a revelação da clarividência de Aïcha, e o sangue que enxerga no fundo do copo de café direciona como devemos enxergar a narrativa. Ao lado do marido, Brahim, e do filho caçula, Aïcha vive a esperança do retorno dos filhos Mehdi e Amine, que deixaram a fazenda familiar na Tunísia para se aliar ao ISIS. Um certo tempo depois, Mehdi retorna para casa, acompanhado da esposa, vestida de niqab (a veste muçulmana que cobre o corpo deixando somente em evidência os olhos expressivamente verdes), grávida e em silêncio. O retorno do filho pródigo provoca alegrias e discórdias na família, seja pela ausência do irmão Reem, cujo destino permanece incerto, seja pela indumentária e comportamento fundamentalista.

Em vez de se desenrolar como um tradicional drama familiar, cujas porquês e revelações distribuídos ao longo de seus capítulos provocam uma reanálise de individualidades e acontecimentos pretéritos,  Who Do I Belong To emprega um estilo radical, com a profundidade de campo egoisticamente rasa. O que quero dizer é que, apesar de ser fotografado em espaços abertos, idílicos e naturais, na maior parte das vezes, esses espaços não transmitem o conforto da maneira como costumam fazê-lo. Pelo contrário, repetem a estratégia das tomadas no interior da casa, que tampouco é o ambiente familiar que esperávamos que fosse. A fotografia de Vincent Gonneville conserva os personagens e espaços desconectados, digamos assim: quando um está em foco, e a subjetividade da dor ou angústia faz-se evidente, o espaço está fora de foco, e vice-versa – a imagem de Aïcha, em primeiro plano mas fora de foco, contra o mar atrás dela, engolindo-a com sua dimensão é um símbolo compreensível da dor de uma mãe que perdeu a prole.

Aquela fazenda é um purgatório à família, cuja resquício de alegria enxergado no sorriso do caçula é um lembrete de que podem perdê-lo da mesma forma que aconteceu com os irmãos mais velhos, e para Mehdi, que, a qualquer momento, pode ser capturado pela polícia local, na figura de Bilal (Adam Bessa), que tem uma relação estreita e até fraterna com Brahim. Ou seja, a sensação é de que é só uma questão de tempo até descobrirem o paradeiro de Mehdi ou, pior, que este toma uma decisão drástica. Contudo, em razão de a narrativa ser sobretudo enxergada por Aïcha, é difícil acreditar que aquelas imagens representam fatos, não expectativas e frustrações. A mão ensanguentada, que não sara, santifica a maternidade, da mesma forma que alberga uma preocupação que não se esvai. Já o pai tem atitudes mais rígidas porque não quer acreditar na culpa silenciada no labor diário.

O roteiro é desenvolvido com sobriedade e compostura emocional por dois terços, até advir o terceiro ato (ou o terceiro capítulo) e colocar em xeque a estrutura construída, fomentando dúvidas maiores à medida que a narrativa avança. Aí, retomo o que afirmei no início, é onde a narrativa comete o maior pecado. Apesar da forma da imagem dar indícios de uma narradora ocular não confiável (ou de narradores não confiáveis, já que a culpa de Mehdi também influencia a maneira de ver o mundo) e de haver símbolos sugestivos (poucos, é verdade) de uma abordagem menos filiada à realidade material, isto é escancarado de uma só vez, parecido com uma mãe que recebe a notícia da partida e morte de um filho. O análogo a um edifício caísse sobre o espectador.

Por não antever esse desdobramento e, portanto, não estar preparado para ele, Who Do I Belong pode terminar com um gosto amargo maior do que ‘só’ um final em aberto, mas um final incoerente e inconclusivo com o que havia sido retratado. Caso adicionada a subjetividade na equação, é possível alcançar um resultado pautado em emoções, não em fatos, e sair com um sentimento agridoce, de satisfação incompleta. Quem sabe se ou quando revisitar talvez não volte com uma opinião diversa.

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