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Bird

4/5

Bird

2024

119 minutos

4/5

Diretor: Andrea Arnold

Tem um momento em Bird, da diretora Andrea Arnold (vencedor do Oscar com o curta-metragem Wasp), que revela a preocupação estilística com o tema do olhar. Nós, espectadores, espiamos Bug (Barry Keoghan) dançando de um modo desengonçado. Por ela própria, a cena é somente embaraçosa. Mas quando Andrea adiciona o olhar de Bailey (Nykiya Adams) ao pai, a cena se transforma. Não é mais embaraçosa, é afetuosa.

Afeto não falta em Bird, de uma forma boca suja dentro de um núcleo disfuncional. Bailey, a protagonista, está entrando na puberdade depois de completar 12 anos, e tem tido dificuldade em encarar o casamento do pai com a sua namorada Kayleigh (Frankie Box). Bailey lida ainda com o relacionamento abusivo entre a mãe, Peyton (Jasmine Jobson), e Skate (James Nelson-Joyce), tentando dar aos irmãos caçulas a infância que parecem não encontrar. Durante as perambulações, Bailey amiga-se do estranho Bird (Franz Rogowski), em busca dos pais que o abandonaram e com os quais havia habitado anos antes naquele bloco.

Bailey parece saída de uma obra de Christian Petzold, definida pelo stalking voyeur, e até de Projeto Flórida de Sean Baker, dada a maneira com que enfrenta de queixo erguido a própria marginalização. A encenação assiste à pré-adolescente assistir a acontecimentos ocorridos no bairro, do mesmo modo com que é objeto do olhar de Bird, cujo apelido é decorrente do fato de pousar no prédio e acompanhar a rotina do bairro. A trama é frouxa, não no mau sentido. É casuística, ainda que vislumbre o casamento do pai como o ponto climático. É um convite à experiência de partilhar o ponto de vista daquela garota por 2 horas.

Por esse motivo, Andrea opta por registrar o olhar de Bailey ao mundo, o qual é mediado pela câmera do celular. A tela do celular é equivalente a janela do quarto, com que enxerga um cruzeiro de férias – que talvez nunca tenha a oportunidade de frequentar. É um recorte, exemplificado pelo instante em que a companheira de um personagem pede para que não seja filmada, embora a tela do celular contradiga-a; e é bom que seja um recorte, porque a perspectiva de Bailey em relação à família é incompleta, e o trabalho de preencher as lacunas é uma forma de amadurecimento.

Mas é a relação de Bailey e Bird o ponto central da narrativa, pois, mesmo que haja uma atmosfera estranha na amizade de um homem adulto e uma pré-adolescente, a direção atenua qualquer objeção. Bailey até tem um irmão mais velho, Hunter, mas cuja cabeça está na ideia de fugir com a namorada grávida. Então Bird é a amizade ou o irmão mais velho ausente, que o docemente ingênuo Rogowski converte em uma preocupação autêntica. Isto é evidenciado em momentos capitais, como aquele ambientado dentro do apartamento da mãe quando a tensão escala de uma forma praticamente incontrolável (que resultará no acontecimento climático que quebra as expectativas criadas durante a narrativa).

Expectativas construídas pela opção estética de utilizar uma forma realista, com a câmera na mão bastante próxima do rosto de Bailey e a escalação de atores não profissionais para conferir verossimilhança aos personagens que habitam o bairro. É a partir da quebra formal, por exemplo, quando um personagem chuta a câmera e a sensação é de que somos chutados no rosto ou quando o roteiro toma uma decisão controversa para parte do público contemporâneo (não para mim, pelo menos), que Bird encontra uma expressividade além de uma ilustração miserável da realidade à margem.

Com a crítica de Barry Keoghan à música Murder on the dance floor – recentemente popularizada pelo ator durante um trecho de Saltburn – e um instante em que o ator revela os dotes musicais (ou a falta deles), Bird até apela à pieguice exagerada nos minutos finais, mas creio que estava tão envolvido com a trajetória daquela garota – tão bem interpretada – que apenas me deixei levar. Lindíssimo.

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes

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