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Não Toque em Meu Companheiro

Não Toque em Meu Companheiro

74 minutos

Maria Augusta Ramos discute o esfacelamento da Caixa Econômica Federal nos anos 90 e em hoje.

Após discorrer a respeito do sistema acusatório brasileiro e documentar o processo de impeachment de Dilma Rousseff em “O Processo”, a diretora Maria Augusta Ramos verte o seu olhar ao movimento paredista que intitula o filme, “Não Toque em Meu Companheiro”. Estamos em 1990/1991 e Fernando Collor acabou de assumir a presidência do Brasil com a promessa de caça aos marajás do funcionalismo público, saneamento moral, com o fim da corrupção, e reforma administrativa, temas que, evidentemente, inflamam a população a ficar a seu lado como um enviado divino enquanto inicia um programa econômico de esfacelamento dos ativos nacionais e da economia. Um de seus alvos são os bancários (não os banqueiros, notem a diferença) da Caixa Econômica Federal, que iniciam uma greve que resulta na demissão de 110 funcionários (em São Paulo, Londrina e Belo Horizonte).

Entretanto, no lugar de debruçar-se sobre o fato histórico, Maria Augusta Ramos utiliza-o como um McGuffin para iniciar a discussão que pretende e estabelecer paralelos com o Brasil atual. Faz isto desde o início, quando as imagens de arquivo da Av. Paulista dissolvem-se no hoje, exibindo alguns dos combativos grevistas de cabelos grisalhos, recordando suas muitas memórias e apresentado a opinião experiente a respeito da situação nacional. Isto também converge em direção ao espectro político em que a diretora está inserida (de esquerda), que não engana o público a acreditar estar assistindo a uma obra imparcial, nem tampouco há esta criatura de documentário (ou arte) imparcial.

Com o esforço de conciliar abordagens objetiva e subjetiva, Maria Augusta Ramos ilustra à distância fatos, sem efetuar um juízo aparente em relação a seu mérito, para, em seguida, registrar com proximidade o bate-papo geracional entre funcionários ativos e aposentados da Caixa Econômica Federal. Às vezes observador, noutras, testemunhal, o documentário é normalmente certeiro em equilibrar o relato da mãe solteira, demitida por um ano, e que sobreviveu do fundo de greve coletado de 35 mil funcionários, à viagem aos municípios do Amazonas de Manaquiri e Anori com o registro do cotidiano do comércio local que está em função das agências improvisadas em barcos.

Percebemos, aí, qual o tema do documentário: a solidariedade. É por isto que a Reforma da Previdência é criticada, em face ao modelo que desprestigia esse princípio, em que os mais jovens cuidam da aposentadoria dos mais velhos, em troca do individualismo puro e simples. Deste ponto, apenas é consequência natural que a diretora introduza questões relacionadas ao modelo de empreendedorismo hoje difundido a partir do fenômeno da uberização do trabalhador e da figura do autônomo, debatido com muita propriedade no documentário do ano passado “Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar”.

Está tudo costurado na cuidadosa narrativa de Maria Augusta Ramos: a solidariedade é a base dos movimentos grevistas, em que poucos lutam pelos direitos de toda a categoria, do Estado de Direito e, noutro aspecto, do modelo de atuação da Caixa Econômica Federal. Assim, para defender a solidariedade, a diretora evidencia o processo de enfraquecimento dessa empresa pública, que atende a brasileiros nos rincões mais distantes do Brasil, para onde as instituições privadas não desejam ir por não enxergarem lucros. Elas querem, sim, o FGTS que movimenta 600 bilhões de reais por ano, porém não participar do mercado de crédito imobiliário subsidiado do Minha Casa, Minha Vida por não ter o retorno esperado por seus acionistas.

Se saímos do movimento grevista de 1990/1991 para este programa social é porque Maria Augusta Ramos pretende evidenciar que o enfraquecimento da Caixa Econômica Federal, que atua ainda como reguladora do sistema financeiro nacional, é um desejo ao encontro do modelo de privatização silenciosa. Que está menos interessado em vender o patrimônio da empresa pública como está, mas somente as porções mais lucrativas que possuem, concedendo-as à iniciativa privada. Mesmo a substituição (inevitável) por sistemas virtuais não escapa a crítica da diretora, não pelo simples processo de automação com a troca de homens por máquinas, mas a forma açodada e problemática com que esta tem sido realizada com óbvia mancha à imagem da instituição.

Ao final, o documentário amarra todos estes temas numa narrativa enxuta de 74 minutos, revelando que os verdadeiros marajás jamais foram caçados (o alto funcionalismo público e os seus privilégios ou mesmo os grandes banqueiros), pois conhecem bem o funcionamento da máquina pública, a ponto de contar com a lentidão da justiça para ameaçar os funcionários demitidos com uma década enfrentando processos e recursos até receber o que merecem. Este sujeitos também são ases em manipular a opinião popular a seu favor, com base na alienação, no desconhecimento da realidade e na crença inabalável na figura do déspota, como Marilene Chauí define com bastante clareza, “o pai de família que voltou e vai por as coisas em ordem”.

Ontem, Fernando Collor. Hoje, bem, sabemos quem é que defende as mesmas bandeiras dele, tanto ideológicas quanto sociais.

Disponível para locação nos serviços de vídeo por demanda de sua televisão por assinatura (Claro/NOW) ou Looke Filmes.

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