Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Marcello Mio

3/5

Marcello Mio

2024

120 minutos

3/5

Diretor: Christophe Honoré

Tenho a legítima sensação de que a concepção e as filmagens de Marcello Mio, de Christophe Honoré, foram mais interessantes e divertidas do que é o resultado final dessa comédia existencialista, metalinguística e que parte de uma premissa bastante intrigante.

A atriz Chiara Mastroianni, filha do ator italiano Marcello Mastroianni e da atriz francesa Catherine Deneuve, é contratada para participar de um comercial que reconstitui a icônica sequência na Fontana di Trevi do clássico A Doce Vida. Na oportunidade, Chiari reviveu a personagem de Anita Ekberg, que dança nas águas do monumento gritando o nome de ‘Marcello!’. Após a conclusão das filmagens, Chiara tem uma epifania existencial na qual enxerga a imagem do pai refletida no espelho, e é tomada por ele, decidindo transformar-se no pai através do modo de se vestir, de falar, dos trejeitos etc. 

Enquanto Chiara reconecta-se com a memória do pai de uma forma extrema e até extrema, as pessoas a seu redor reagem de formas bem particulares, ou entretendo e alimentando o travestimento físico e emocional de Chiara ou repudiando-o mesmo de maneiras cruéis. A ‘Polpetta’ Chiara sabe quem é, acredito, mas está apaixonada com a encarnação do pai em si própria – os psicanalistas vão deitar e rolar quando assistirem ao filme -, que participa de um jogo de redescoberta que também a leva através de suas memórias. Conceitualmente, a obra é belíssima ao proporcionar, no tecido da ficção, um meio pelo qual a atriz elabora os sentimentos e compartilha-os com o espectador.

No elenco, atores celebrados do cinema francês interpretam versões deles próprios dentro do ‘role playing’ criado pelo diretor e roteirista Christophe Honoré: Catherine Deneuve, Benjamin Biolay, ex-marido de Chiara, Melvil Poupaud, ex-namorado dela, Nicole Garcia e Fabrice Luchini, que parece ser o mais feliz por poder, enfim, ter um amigo que não pôde ter para partilhar alegrias e conversas. Assistir a estes atores em uma mesa de café da manhã de um hotel litorâneo é lúdico e prova do potencial cinematográfico de elaborar caminhos artísticos inesperados para discutir temáticas universais, neste caso, a inundação da saudade de um ente querido ou até o desejo de redescobri-lo através de uma viagem em seu passado.

Contudo, às vezes parece que é apenas isso que o filme tem a oferecer. Meia dúzia de atores franceses reconhecíveis e uma temática freudiana que se apresenta de modo refratário para quem desconhece a obra e relevância do ator homenageado. A introdução de momentos célebres dentro da tapeçaria da narrativa pode enriquecer a experiência de uns e escapar ao olhar de outros, por exemplo, a cena da praia em que Chiara/Marcello leva a mão aos ouvidos como se gesticula “não escuto”.

E, mesmo que tais momentos não sejam determinantes à trama propriamente dita, é difícil ignorar como deve ter sido agradável e catártico filmar esta comédia dramática – não só para Chiara, mas também ao elenco – e cuja alegria e catarse às vezes não é traduzida para o público em termo de emoção. 

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Mamma Roma

Mamma Roma, Itália, 1962. Direção: Pier Paolo Pasolini.

Críticas
Alvaro Goulart

Bila Burba

Eu nunca havia assistido a um filme panamenho.

Críticas
Marcio Sallem

Pacarrete

Crítica de Pacarrete, comédia dramática inspirada em fatos

Rolar para cima