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Three Kilometers to the End of the World

4/5

Eu admiro o cinema romeno pela maneira concisa com que apresenta e desenvolve, com verticalidade, os temas de interesse de seus diretores. Este Three Kilometers to the End of the World (ou Três Quilômetros para o Fim do Mundo, tradução livre) – que corresponde à distância entre a região insular onde habitam os personagens e a terra firme – tematiza a violência homofóbica na Romênia. Faz isto sem ser óbvio, sem revitimizaçao do agredido e sem panfletar, mas com a ideia de constatar a existência de uma rede interconectada que ajuda a perpetuar este tipo de violência através do abuso latitudinal e do silenciamento.

A premissa é singela. Adi (Ciprian Chiujdea) é um adolescente de 17 anos que viaja de Lucea para passar o verão com a família no interior. Certa noite, enquanto caminha com o namorado, é agredido por jovens adultos homofóbicos. Seus pais, um pescador (Bogdan Dumitrache) e uma dona de casa religiosa (Laura Vasiliu), denunciam a agressão à polícia que facilmente encontra os agressores (filhos de um sujeito influente). Até porque o trabalho do diretor e roteirista Emanuel Parvu não é criar um mistério, mas uma obra de denúncia introduzida dentro de uma trama que amarra os personagens ao mesmo preconceito potencializado pela corrupção e pela religião.

A polícia não envia a denúncia para a capital com o temor de que isto escale regional e nacionalmente. E também pela promessa feita pelo pai dos agressores de que intercederá pela avaliação com brevidade do requerimento de aposentadoria antecipada do chefe de polícia (Valeriu Andriuta). Para isso, expõe aos pais de Adi a homossexualidade do filho, e esses convocam o padre local (Adrian Titieni) para “exorcizá-lo” e “curá-lo”. Adi reage, mas cada reação é acompanhada de uma ação devolvida com maior violência e, logo, o rapaz perde a propriedade (o celular), a liberdade, a dignidade e até a autoestima. Só quem permanece a seu lado é a sua amiga Ilinca (Ingrid Micu Berescu), coincidentemente a única personagem da narrativa com nome próprio.

Emanuel Parvu despersonaliza a discriminação pela institucionalização. Não é aquele pai, aquela mãe, aquele chefe de polícia ou aquele padre, mas a Família, o Estado e a Igreja que viabilizam e perpetuam a homofobia porque omissos ou negligentes quando deveriam ser humanos. Neste sentido, o personagem mais “honrado” (entre muitíssimas aspas, por favor), é o pai dos agressores, pois ao menos sua atitude é orientada pelo amor aos filhos, ou o que entende ser amor. Deste modo, o pai dos agressores é melhor do que o pai e a mãe de Adi que não amam o filho da mesma forma. Na verdade, o cenário retratado por Parvu com suas opções narrativa é ainda pior, pois dá a sensação de que os homofóbicos são a regra, não a exceção na sociedade romena.

Eu admiro o desenvolvimento da narrativa, com uma encenação casual e que coloca os atores em primeiro plano (Parvu é/era ator, então é bastante compreensível essa escolha). Nada é feito às escuras naquela comunidade ensolarada e minúscula, mas às claras (inclusive a propina ao chefe de polícia). Ninguém envergonha-se de agir da forma como age, e isto provoca um efeito devastador em Adi – cuja imagem machucada é o reflexo da brutalidade do mundo ao redor e do conformismo com que o personagem cala-se diante da violência sofrida. Aliás, Parvu é pertinente ao apagar gradualmente Adi da encenação, por este não deter os meios de reagir àquele empilhamento de violências. Ele tenta fugir delas, embora seja incapaz.

A meu ver, e eu revisito isto sempre que tenho oportunidade, Three Kilometers to the End of the World é mais eficiente e impactante com sua sobriedade do absurdo do que obras que tematizam a homofobia de uma forma panfletária. Estas podem até provocar a empatia de quem assiste, mas não são eficazes em aproximar os que deveriam ser convidados à conversa e à reflexão de suas ações, estruturais ou não, que refletem e perpetuam a homofobia. 

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes.

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