Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Wild Diamond

3/5

Diamant Brut

2024

103

3/5

Diretor: Agathe Riedinger

Como a arte reflete a realidade, é somente óbvio que tramas que giram em torno de influenciadores digitais e aspirantes se tornem cada vez mais comuns. Suor (2020), de Magnus Van Horn, trabalha a realidade de uma influenciadora fitness que anseia pela intimidade que a popularidade não lhe permite mais ter. Já este Wild Diamond, ou Diamante Bruto em tradução livre, joga com a expectativa de uma jovem adulta da periferia francesa em aproveitar as dezenas de milhares de seguidores nas redes para poder entrar em um reality show que tem a possibilidade de mudar a sua vida e a realidade na qual está.

A diretora e roteirista Agathe Riedinger, em seu longa de estreia, debate a aparência de forma atemporal e contemporânea, como os personagens são vistos e como se veem. Faz isto dentro da realidade miserável de Liane (Malou Khebizi), egressa de lares adotivos e recém acolhida (“acolhida”) junto à mãe, com a qual tem uma relação conturbada, equilibrada pelo carinho que sente pela irmã caçula. Apesar dos laços sanguíneos, as relações só gravitam à narrativa e empurram a protagonista às relações líquidas das redes, onde amor e ódio são externados, exponencializados e ainda retratados em “comentários” que capitulam a narrativa a partir do convite para participar de um reality show, Miracle Island (ilha dos milagres).

Enquanto espera a confirmação da participação, Liane espera e espera. Ao lado da esperança pela iminência de conquistar admiração, dinheiro e poder (nesta ordem), a impaciência de isto de fato não se concretizar e os relacionamentos precariamente construídos, dissolverem-se como a maquiagem derretida pelo sol e pelas lágrimas que escorrem de seu rosto. Assim, a narrativa é um limbo. Um no qual Liane apenas aguarda e, nesta espera, envolve-se com Dino, briga com as amigas, transforma-se e se fragiliza. Um limbo também que invalida, de certo modo, a maioria dos conflitos encenados até então apenas por uma ligação telefônica, ou a falta dela.

A resolução é uma espécie de milagre (o que justifica até o nome do reality show) e milagres tendem a frustrar ou até inutilizar o envolvimento emocional do público. O deus ex machina (o personagem mágico que resolve o conflito dramático ao término no teatro grego-latino) está assumido desinibida e romanticamente, além da lógica da crítica abraçada por Agathe. Aquilo que era o alvo da crítica torna-se a boia salva-vidas de Liane. A personagem apenas não é degrada inteiramente, porque um personagem coadjuvante demonstra lucidez, nem que por um momento, para interromper o que poderia ser uma violência cruel. É verdade que Agathe tempera a conclusão com o reencontro das irmãs, mas é um gesto irrelevante, no fim das contas.

Agathe é melhor sucedida em estabelecer o mundo em que Liane habita, a partir de closes que acessam as emoções confusas retratadas por Malou Khebizi. O aplique no cabelo, as unhas postiças decoradas, os saltos sobre que mal pode caminhar confortavelmente, as peças de vestuário que furta e os flagelos a que submete seu corpo (ex. Liane tatua, com as próprias mãos, um remendo esquisito na pele) são maquiagens dos traumas ocultados pela personagem. Traumas que a empurraram para o mundo em que a quantidade de curtidas e comentários vale mais do que o amor próprio e o que está materialmente a seu alcance.

Nisto, Wild Diamond é bem sucedido, embora no restante do tempo, a narrativa seja o reflexo melancólico de uma jovem adulta que acredita conhecer o que deseja e cujos sonhos são as fantasias que maquiam a brutal realidade em que habita.

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes.

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