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Bate Papo com Izah Neiva, diretora de Firmina

Izah Neiva é diretora de Firmina, exibido na Mostra Competitiva Nacional (Clique aqui para saber mais) do 1ºFestival de Cinema de Xerém (Clique aqui para saber mais). O curta fala sobre feminicídio e violência doméstica, e que traz Teca Pereira como protagonista e heroína. Na sua filmografia, a diretora assina os curtas-metragens A última Chance (2017), Era Uma Vez em SP (2019), O Menino Moeda (2021), Firmina (2023) e Sônia (2024).

A diretora Izah Neiva / Cartaz do filme Firmina – Foto: Divulgação

A Izah conversou com o Cinema com Crítica sobre seu filme e os bastidores da produção:

A.G.: Eu queria que você contasse um pouquinho mais a respeito de trabalhar com a Teca (Pereira) que, como você falou, ela nunca havia sido uma protagonista por mais que ela já tenha anos e anos trabalhando nos cinemas, na televisão, na frente das telas, de maneira geral.

I.N.: Bom, pra mim foi, além de ser gratificante, foi uma honra. Ela está no hall pra mim das minhas “ídolas”, né. Eu falo pra ela, por conta da generosidade dela, né, de também abraçar o projeto, e ela gostar de se ver no filme. Gente, eu acho que, pra mim, é muito mais gratificante. Ela fala isso: “eu gosto de me ver no seu filme. E me vejo bonita, me vejo transcendendo”. E isso pra mim é muito importante. E eu não tinha noção, sabendo do currículo da Teca. Sabendo que ela tem aí no teatro N prêmios. De que no audiovisual, a primeira protagonista dela foi em Firmina. E ela fez com maestria! Ela foi estupenda! Pra mim, ela ganhava prêmio de melhor atriz em todos os festivais!

A.G.: Uma coisa que eu acho legal é que você quebra alguns estereótipos, como a questão da fragilidade de uma pessoa com idade mais avançada. Você coloca ela como uma heroína dentro do filme, uma mulher forte. Ela é a mulher que resolve a situação da maneira dela, trabalhando com as limitações dela, mas é ela que acaba resolvendo tudo.

I.N.: Eu tenho também que quebrar esse estereótipo de “o corpo frágil” que é um idoso geralmente. Essas pessoas que a sociedade vê como pessoas frágeis. E aí eu transfiro essa força pra essa pessoa. É o quão também no filme você tava entendendo da experiência dessa pessoa em relação a questão de violência contra a mulher. E como ela age dentro disso? Ao invés de ficar naquele lugar do idoso, que geralmente você vê o idoso naquele papel de “vovôzinho” ou “vovozinha”, nesse lugar sem ter uma ação de fato, a Firmina, ela age. Eu costumo dizer que, literalmente, ela bota fogo no baldinho porque ela não vai deixar ninguém a silenciar. É essa mensagem também que o filme traz.

A.G.: Quando nós lemos a sinopse do filme a respeito da violência doméstica e nós vemos o Babu Santana creditado dentro do filme, por uma questão de estereótipo do homem negro, ainda mais um homem negro que é um homem grande, uma aparência bruta, forte pra caramba, e até pelo histórico dele de outros filmes, você imagina que ele vai ser o agressor, e pelo contrário, ele é um personagem cuidador, é um personagem amoroso, super doce dentro do filme. Eu acho legal que você também faz essa quebra a respeito da própria violência relacionada ao homem negro que tem dentro da sociedade.

I.N.: Porque, não necessariamente, você viveu dentro de um quadro de violência, dentro de uma comunidade que seja, você vai ser uma pessoa violenta. Então eu tento quebrar esse estereótipo e, também, trazendo os homens pra conversa sobre a violência contra as mulheres. Tirar um pouco só das nossas mãos. Trazer o homem porque ele também faz parte disso. E fazer essa desconstrução do machismo. Então a gente traz um filho que vê sua mãe sofrendo violência e que, disso, ele não tem um trauma necessário pra ele se tornar uma pessoa violenta. Então, ele tem esse cuidado com a mãe. O Babu mesmo falou: “Eu adoro esse filme porque é um filme que é um filho que se preocupa com a mãe e que não é nenhum bandido”.

A.G.: Uma coisa que eu gosto muito também são os aspectos formais que você traz pra dentro da narrativa. Você traz rimas visuais, como quando você trabalha duas linhas temporais dentro do filme. Você trabalha espaços, a questão do próprio lar que se converte em cárcere. Eu gosto disso, afinal, você tem a expectativa de lar, dentro da semântica, relacionado à proteção. E aí é o contrário: o lar talvez seja o ambiente mais hostil pra aquela pessoa. E eu gosto como você trabalha, com a própria câmera, a dor e o medo. E traz até elementos do terror pra poder mostrar esse aspecto psicológico da sua personagem. Eu queria que você dissertasse um pouquinho mais das suas referências. Apesar de que eu imagino que tem visões hitchcockianas ali (risos).

I.N.: Cara eu sou fanática por um filme de suspense…Hitchcock, Seven…é uma linguagem de cinema que eu gosto muito. E eu gosto de falar de projetos de impacto, que a pessoa saia do cinema e fale sobre ele. Eu acredito assim… é isso que eu faço quando você, por exemplo, vê alguém gritando “socorro”, ou então “fogo”, você vai lembrar do Firmina. Então eu costumo trazer elementos do filme pra que, quando alguém vê uma situação, lembre do filme. Eu acho que o cinema também tem essa força.  E, também, uma responsabilidade, nesse lugar. Mas eu não quero abrir mão do entretenimento. Porque é aí que você segura a pessoa na tela, né. Então, eu gosto do suspense. Inclusive, tem várias referências que você viu, por exemplo, quando a Firmina, pra salvar a mulher, ela esfaqueia o próprio quadro numa trilha lembrando Hitchcock. Que é uma reversão do Psicose, da violência contra a mulher. Porque é ela fazendo aquilo pra salvar uma mulher. E eu faço isso com um recorte com sombras por conta que, na minha percepção, eu não deveria dar palco pro agressor. E, a gente não sabe quem é violento. Não tem cara a violência. Então, é a pessoa que você menos espera. Então, a gente não dá protagonismo pra isso. E a questão, assim, dessa especialidade que você falou, porque foi um desafio pensar sobre isso porque a minha intenção não é enganar. As intenções estão lá o tempo inteiro. O que eu queria foi o que eu falei com a arte, com a fotografia, montagem…falei: “Olha, a gente tem essa questão. Eu não quero entregar o filme, mas a gente tem que trabalhar e eu não quero enganar ninguém. Como a gente resolve isso?”. E fomos buscando esses aspectos, e de como resolver isso. Então, por exemplo, se você tem lá a Firmina que é um trabalho que eu fiz com as artistas corporalmente, ela vai com o corpo pro chão e ela meio que traz aquela memória. E quando a gente tem traumas passados… eu acho até que foi o montador que trouxe isso… eu sou meio assim, as pessoas podem falar que eu sou um gênio, mas eu gosto de ressignificar, de usar algo que você trouxe… e o montador, que é o Leandro Pacheco, ele me trouxe uma proposta que, quando eu vi, eu falei: “Cara, quando a gente tem um trauma, a gente não lembra de tudo exatamente. A gente lembra trechos”. E quando a gente tem na montagem aquele blackout, as fotos, ela (a vítima) ta sempre na penumbra. É… coisas da memória. Falei “Nossa! Isso funciona muito!”. Então, essa questão do suspense, de prender a protagonista…porque, no roteiro original, ela só quebrava um celular… e ele (montador) falou: “não, tem que prender elas. Tem que botar num estado que ela não consegue nada, que ela… ela precisa fazer alguma coisa. Ela tem aquele objetivo!”. Eu sempre separo o roteiro em sequências: ela tem um objetivo, tem a quebra do objetivo…ela vai falar…e ninguém ouve – quebra de objetivo. Ela vai ligar e o celular ta quebrado – quebra de objetivo… foi assim que eu trabalhei, pelo menos com Firmina. E, também, a questão da caixa. De pensar nesse lugar. A caixa é uma protagonista. Ela vem trazendo a Firmina pra aquele lugar acinzentado, que é tudo normal, que é tudo igual. E ela vem com esse lugar pra ressignificar. Então significa isso pra mim.

A.G.: Tem um outro elemento também que é a questão da comunicabilidade e do silenciamento. Eu gosto como você trabalha com a questão de uma gritar e não ser ouvida. E só uma outra mulher, que possui o mesmo histórico de violência, conseguir ouví-la. Não é possível que naquele prédio ninguém mais estivesse ouvindo. Ou, quem escuta, finge que nada está acontecendo. Seja por medo, enfim… não vem ao caso…, mas, outra questão de a própria Firmina buscar se comunicar, chamar “socorro”, e ninguém a ouvir. Eu acho isso bem legal de essa sororidade existir ainda que dentro do silenciamento dessas duas figuras.

I.N.: O roteiro é do Adelmo Passos, que é maranhense. E, ele falou que pensou nesse roteiro porque ele vivenciou uma situação dessa, de uma senhora pedindo socorro e ninguém fazia nada. E o pior, nem ele conseguiu fazer nada. E isso, eu acho que projetos assim que incomodam, é o que movimenta. Quando ele escreveu, pensando nesse lugar, que isso acontece. Se a gente fizesse a analogia, não grite “socorro”, grite “fogo”. Foi uma coisa que eu trouxe do roteiro. Eu falei pra ele: “Cara, como que a gente vai tirar a Firmina dessa situação?”. Esse era o grande lance.

A.G.: Outra coisa que eu acho muito forte também dentro do seu filme é que a Firmina é uma artista. Ela traz cores para aquele ambiente. Ela ressignifica aquele lugar. E, ainda assim, ela sacrifica a própria obra pra poder salvar uma outra mulher. Isso é muito forte. Um artista abrir mão da sua obra pra poder resgatar uma pessoa. Até porque, provavelmente, quem ela estava retratando ali era ela própria. Ou, talvez, outra vítima. Mas aí é só, enfim, minha cabeça trabalhando.

I.N.: Mas foi nesse lugar que eu pensei mesmo. Que é “o que é mais importante pro artista?”. E ela não vê outra solução. É só pensar na cena do banheiro, por exemplo. Eu pus aquela cena no roteiro. Eu disso pro roteirista: “eu tenho uma ideia aqui”. Ele é meio observador e achei até que ele não ia topar (risos). Mas, nesse momento, além de eu criar uma intimidade do público com a Firmina – as pessoas gostam da Firmina. Eu precisava criar essa simpatia para que as pessoas sofram com ela, acompanhem o desespero dela – eu pus uma cena que não tinha papel. Inclusive eu falei: “gente, as caixas de modelo da Firmina não podem ser de papelão”. Porque, se ela tivesse, ela poderia botar fogo em qualquer outro papel. Por isso tem aquela cena do banheiro que não tem papel (risos). Não tem uma alternativa senão sacrificar a própria arte.

A.G.: Agora a pergunta que as pessoas devem estar querendo saber: Onde elas irão poder assistir Firmina, além do Festival de Xerém?

I.N.: Firmina está esse mês sendo exibido em cinco festivais diferentes. Um deles vai ficar online por dez dias, que é o de Goiás. Aí, nas minhas redes sociais, eu vou divulgar porque vai ficar aberto. Só buscar por @izahneiva. E eu to negociando licenciamento em plataformas e em um canal também. Porque eu acho que Firmina tem que (reproduz uma expansão com as mãos) … as pessoas assistirem.

A.G.: E que ele alcance o maior número de pessoas possível. Mulheres, homens… principalmente homens.

I.N.: Principalmente homens (risos). No roteiro original, a Firmina recoloca aquele quadro. Mas eu falei que não. Que tinha que tirar essa responsabilidade só entre as mulheres. Tem que trazer os homens. É aquela questão do “não basta ser antirracista, tem que trabalhar em prol”. Mesma coisa os homens. Não tem que colocar todos na mesma caixinha. A gente precisa ressignificar isso. E Firmina foi um filme que eu fiz com dois editais, e com justificativas muito simples, mas muito urgentes: Na pandemia e pós-pandemia, o número de feminicídio subiu assustadoramente. Então a gente pede “socorro”. Firmina é pra mim um grito de socorro. Mesmo que queiram nos silenciar, a gente vai continuar.

A.G.: É um grito de “fogo”.

I.N. : Exatamente! (risos).

O curta recebeu os troféus Zeca Pagodinho de Melhor Atriz (Teca Pereira), Melhor Fotografia, Melhor Roteiro, Melhor Filme e Melhor Filme pelo Juri Popular, além do Prêmio Edna Fujii.

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