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Céu Aberto

4/5

Cielo Abierto

2023

70- minutos

4/5

Diretor: Felipe Esparza Pérez

Em Céu aberto acompanhamos pai e filho em seus respectivos ofícios. Enquanto o pai, Johnny, retira blocos de sillar das montanhas, seu filho é fotografo de uma importante igreja da região. A relação entre eles é de distanciamento e, ao que tudo indica, esta incomunicabilidade é fruto da morte da esposa/mãe, apesar de a causa não ser revelada (um MacGuffin na narrativa).

Ambos os personagens são representações de seus mundos. O pai, cujo trabalho é braçal e repetitivo, é uma representação do primitivo / antigo. Seu filho, por outro lado, trabalha com fotografia e faz uso de diversas tecnologias (câmera, dronnes e computadores), sendo um representante da modernidade. Esse choque geracional e tecnológico pode parecer conflituoso, pois não só pai e filho não se falam, mas sequer compartilham o mesmo quadro. Ainda assim, o filme nos revela conexões entre ambos que extrapolam os laços familiares. A primeira delas através das informações contadas por uma guia turística que explica que aqueles blocos de pedra serviram na construção de importantes estruturas, entre elas a igreja barroca que o filho está digitalizando (por trás daquela imponência dourada, revelam-se as brancas pedras vulcânicas). E, enquanto o pai lapida os blocos de sillar, o filho lapida os vetores que reconstroem a igreja no meio digital – em uma maquete igualmente alva.

O trabalho do pai que remete ao passado / imagem: divulgação
O trabalho do filho que remete à modernidade / imagem: divulgação

O slow cinema do diretor estreante Felipe Esparza Pérez nos permite vivenciar um pouco da solidão de ambos os personagens. O silêncio que permanece a maior parte do tempo em tela, é rompido por pouquíssimos diálogos. O som do vento e do eco das ferramentas de trabalho preenchem o fundo sonoro. Enquanto isso, ambas as figuras se deslocam como fantasmas em seus respectivos cenários. Céu aberto também se mostra um filme extremamente sensorial. Enquanto nossa audição é ocupada por esses sons diegéticos, nosso olhar experimenta texturas, formas e cores, o que faz do filme uma experiência sinestésica.

Além de cenário e personagens, o filme traz um terceiro elemento essencial à narrativa: a religiosidade. O catolicismo é uma religião forte e enraizada na sociedade peruana. Sua presença no filme vai muito além da igreja ou das figuras bíblicas na arte barroca de seu interior. Ela se estabelece logo na abertura com o martelar da cunha que remete ao martelar dos pregos durante a crucificação de Jesus. Johnny também carrega uma cruz ao subir à montanha, remetendo também à imagem do calvário. No túmulo de sua esposa, podemos ver a inscrição “Cristo é meu pastor”, em espanhol. E, ao fim, vemos a ruptura de um desses personagens com sua fé ao abandonar um terço no altar.

Céu Aberto é um filme que nos permite devaneios. Seu ritmo nos permite isso enquanto nos encanta com seus planos abertos das montanhas ou das artes sacras. Esse seu não comprometimento em oferecer uma experiência hermética me faz questionar se aquela também não seria uma releitura da Santíssima Trindade, onde temos Pai, Filho e a mãe morta representando o Espírito Santo. Contudo, ao contrário da união proposta pela religiosidade, vemos ali o resultado de sua fragmentação, igual a da montanha que se converte em blocos de pedras.

Céu Aberto foi assistido durante a 13ª Mostra Ecofalante de Cinema e foi meu primeiro contato com uma produção peruana.

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