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A E I O U – A Quick Alphabet of Love

Um romance desastrado envolvido por inadequação etária e pequenos delitos

O romance criminal de Nicolette Krebitz emprega a estrutura que inicia com um evento no presente – a vista à delegacia de Anna, atriz decadente, convocada para identificar um suspeito – para retornar no tempo a fim de apresentar as respostas buscadas pelo espectador. É um clichê estrutural que planta um mistério que sempre retornará à cabeça do espectador enquanto acompanha o desenvolvimento do romance de Anna (Rois) e Adrian (Herms): a cada iteração de ambos, tornaremos a indagar: o que terá acontecido que provocou a prisão de Adrian e qual o sentido em Anna ser convocada para identificá-lo. O mistério é apenas subterfúgio de um romance que aperta todas as teclas erradas para ter o impossível: convencer o espectador de que ambos merecem estar juntos.

A história inicia com Anna, uma mulher de 60 anos e cujo auge na atuação ficou para trás, depois de ter a bolsa furtada em frente a um restaurante. Dias depois, Anna aceita um emprego como uma espécie de fonoaudióloga do adolescente Adrian e reconhece nele o rapaz que lhe havia furtado. Anna confidencia, ao melhor amigo Michel (Kier), ter sentido atração pelo jovem e ambos começam um relacionamento nesta variação da síndrome de Estocolmo. A premissa é cafona e constrói um casal a partir de uma conveniência e uma coincidência, com um objetivo metafórico e clichê: o de ensinar Adrian a falar sem impedimento, aprendizado aplicável na vida de um rapaz incapaz de se encaixar e que sobrevive nas ruas por conta de delitos menores.

O romance entre uma mulher de 60 anos e um jovem rapaz de 17 anos funciona a base de conveniência e coincidência

Sophie Rois e Milan Herms não têm química – o mínimo necessário para que qualquer romance funcione – e a ideia de que o romance é ponte para que Anna aprenda a se valorizar na terceira idade beira o ofensivo. Não que a direção esteja equivocada em reafirmar, mediante a arte, a prática da indústria de descartar atrizes depois de atingirem uma idade limite, a mesma idade em que muitos pensam que o desejo e a libido feminina começaram a evaporar. No entanto, utilizar um romance, para alguns polêmico em razão da diferença etária e do elemento criminal que os envolve, parece conferir um aspecto imoral ou inadmissível e falha em reforçar como a juventude aspira a alcançar o êxito da geração anterior.

A narrativa também ignora as características que envolvem a personalidade dos personagens: o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade de Adrian é apenas uma vírgula na biografia do rapaz, com a tentativa de rotulá-lo de uma forma vã. Ao longo de 104 minutos, não parece haver nenhum desenvolvimento significativo no arco dos personagens que somente encontram meios diversos (sexo, crime) de dar vazão a suas frustrações que antes permaneciam armazenadas na forma de ressentimentos.

Udo Kier restaura a dignidade da narrativa

O romance não é o desastre anunciado porque Udo Kier restaura o envolvimento do espectador nos momentos em que intercede junto à melhor amiga – todo romance como este tem, em regra, o papel do melhor amigo. É um ator e coadjuvante generoso, portanto em frente e atrás das câmeras, e que não realiza julgamentos morais à Anna, conservando-a cercada por um olhar amoroso e carinhoso. O tipo de amigo que precisamos e que Nicolette apela para evitar o fracasso do projeto.

Crítica publicada na cobertura do 72º Festival de Berlim/2022.

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